quarta-feira, outubro 27, 2010

A casa que a fome mora

Eu de tanto ouvir falar
Dos danos que a fome faz,
Um dia eu saí atrás
Da casa que ela mora.
Passei mais de uma hora
Rodando numa favela,
Por gueto, beco e viela,
Mas voltei desanimado,
Aborrecido e cansado
Sem ter visto o rosto dela.

Vi a cara da miséria
Zombando da humildade,
Vi a mão da caridade
Num gesto de um mendigo
Que dividia o abrigo,
A cama e o travesseiro,
Com um velho companheiro
Que estava desempregado,
Vi a fome o resultado,
Mas dela não o roteiro.

Vi o orgulho ferido
Nos braços da ilusão,
Vi pedaços de perdão
Pelos iníquos quebrados,
Vi sonhos depedaçados
Partidos antes da hora,
Vi o amor indo embora,
Vi o tridente da dor,
Mas nem de longe vi a cor
Da casa que a fome mora.

Vi num barraco de lona
Um fio e esperança,
Nos olhos de uma criança,
De um pai abandonado,
Primo carnal do pecado,
Irmão do raios da lua,
Com as costas semi-nuas
Tatuadas de caliça,
Pedindo um pão de justiça
Do outro lado da rua.

Vi a gula pendurada
No peito da precisão,
Vi a preguiça no chão
Sem ter força de vontade,
Vi o caldo da verdade
Fervendo numa panela,
O jejum numa janela
Dizendo: aqui ninguem come!
Ouvi os gritos da fome,
Mas não vi resto dela.

Passei a noite acordado
Sem saber o que fazer,
Louco, louco pra saber
Onde a fome residia
E por que naquele dia
Ela não foi na favela
E qual o segredo dela,
Quando queria pisava,
Amolecia e matava
E ninguém matava ela?

No outro dia eu saí.
De novo à procura dela,
Mas não naquela favela,
Fui procurar num sobrado
Que tinha do outro lado
Onde morava um sultão.
Quando eu pulei o portão
Eu vi a fome deitada
Em uma rede estirada
No apendre da mansão.

Eu pensava que a fome
Fosse magricela e feia,
Mas era uma sereia
De corpo espetacular
E quem iria culpar
Aquela linda princesa
De tirar o pão da mesa
Dos subúrbios da cidade
Ou pisar sem piedade
Numa criança indefesa?

Engoli três vezes nada
E perguntei o seu nome.
Respondeu-me: sou a fome
Que assola a humanidade,
Ataco vila e cidade,
Deixo o campo moribundo,
E não descanso um segundo
Atrofiando e matando,
Me escondendo e zombando
Dos governantes do mundo.

Me alimento das obras
Que são superfaturadas,
Das verbas que são guiadas
Pros bolsos dos marajás
E me escondo por trás
Da fumaça do canhão,
Dos supérfluos da mansão,
Da soma dos desperdícios,
Da queima dos artifícios
Que cega a população.

Tenho pavor da justiça
E medo da igualdade,
Me banho na vaidade
Da modelo destruída,
Da renda mal dividida
Na mão do cheque sem fundo,
Sou pesadelo profundo
Do sonho do bóia fria
E almoço todo dia
Nos cinco estrelas do mundo

Se vocês continuarem
Me caçando nas favelas,
Nos lamaçais nas vielas,
Nunca vão me encontrar,
Eu vou continuar
Usando um terno xadrez,
Metendo a bola da vez,
Atrofiando e matando,
Me escondendo e zombando
Da burrice de vocês.

 Antônio Francisco

quarta-feira, agosto 11, 2010

"O que foi feito deverá/O que foi feito de Vera"

O que foi feito amigo
De tudo que a gente sonhou
O que foi feito da vida
O que foi feito do amor
Quisera encontrar
Aquele verso menino
Que escrevi há tantos anos atrás
Falo assim sem saudade
Falo assim por saber
Se muito vale o já feito
Mais vale o que será
O que foi feito
É preciso conhecer
Para melhor prosseguir
Falo assim sem tristeza
Falo por acreditar
Que é cobrando o que fomos
Que nós iremos crescer
Outros outubros virão
Outras manhãs plenas de sol e de luz


Alertem todos alarmas
Que o homem que eu era voltou
A tribo toda reunida
Ração dividida ao sol
De nossa vera cruz
Quando o descanso era luta pelo pão
E aventura sem par
Quando o cansaço era rio
E rio qualquer dava pé
E a cabeça rodava
Num gira-girar de amor
E até mesmo a fé
Não era cega nem nada
Era só nuvem no céu e raiz
Hoje essa vida só cabe
Na palma da minha paixão
De vera nuca se acabe
Abelha fazendo o seu mel
No canto que criei
Nem vá dormir como pedra
E esquecer o que foi feito de nós

Milton Nascimento

sábado, agosto 07, 2010

Tropicalismo

O Tropicalismo foi um movimento de ruptura que sacudiu o ambiente da música popular e da cultura brasileira entre 1967 e 1968. Seus participantes formaram um grande coletivo, cujos destaques foram os cantores-compositores Caetano Veloso e Gilberto Gil além de Gal Costa, Tom Zé, Os Mutantes, Nara Leão, os letristas Torquato Neto e José Carlos Capinan completaram o grupo, que teve também o artista gráfico maestro,compositor e poeta Rogério Duarte como um de seus principais mentores intelectuais.

Sincretico e inovador, aberto e incorporador, o Tropicalismo misturou rock, bossa nova, samba, bolero, baião e outras coisas mais.

quarta-feira, maio 05, 2010

Meu novo Cantar

[olha eu nem sei de onde venho
nem pra onde vou
ninguem me escuta
e nem sei quem sou
eu procurei meu caminho no vento
mas ele não soprou
então eu pedi ao mar uma trajetória
mas ele secou
não importa
eu sou amigo do vento e do mar
acho q eu embarquei a vida num navio de prata
mas ele não mais navega
sobre os dias e noites
entao eu não sei se ir ou se ficar
se eu não me conheço
como posso gostar de mim?
sei que eu deixei meu rosto
em alguns espelhos esquecidos
e uma rosa amarrotada de silencio
me viu por dentro
é, eu sou amigo de esquecidos e de flores
sabe, eu estou pensando no tempo
mas não sei das horas
palavras, sonhos, vultos
não são alegres nem tristes,
estão ocultos na canção
e eu, eu sou amigo do canto]
doa a quem doer
então eu vou cantar
meu canto é pra valer
meu canto é pra mudar
um dia vou criar um mundo muito certo
onde o inferno vai estar longe
e o céu aqui bem perto
mas então meu bem
não va chorar
pois ainda resta uma esperança
de que um dia uma criança
possa ir brincar
sem ter perigo
pro seu brinquedo se quebrar
sem ter perigo
pro seu brinquedo se quebrar
o que eu canto hoje
você não quer saber
pensa que o que eu digo
não tem razão de ser
mas em muito breve
você vai se lembrar
do que eu cantei hoje
e então vai concordar

Anarquia

Prepare tudo o que é seu
Veja se nada você esqueceu
Pois amanhã vamos pra rua fazer
Fazer uma tremenda anarquia
Pintar as ruas de alegria
Porque
Quem manda hoje somos nós, mais ninguém
E não ligamos pra quem vai nem quem vem atrapalhar
Há quem nos queira atrapalhar
Nossa cidade será uma flor
As avenidas com carros de amor
Pois amanhã vamos pra rua fazer
Fazer uma tremenda anarquia
Pintar as ruas de alegria
Porque
Quem manda hoje somos nós, mais ninguém
E não ligamos pra quem vai nem quem vem atrapalhar
Há quem nos queira atrapalhar
E assim nós iremos adiante
Iremos custe o que custar
Pois as ordens vêm de um alto-falante que só nós
Não conseguimos escutar
Fazer uma tremenda anarquia!


Composição: Arnaldo Saccomani
Interpretação: Ronnie Von

segunda-feira, abril 26, 2010

Que...

 Yemanjá limpe com suas ondas todas as tristezas que tenhas;
Que Oxum te cubra com seu manto de amor;
Que Xangô lhe proteja das injustiças do mundo;
Que Ogum, com sua espada e seu escudo te proteja e lhe encaminhe;
Que Iansã te dê clareza para separar o joio do trigo;
Que Obaluaiê te dê sempre a saúde;
Que Ibeji te proporcione alegrias inocentes e puras!
Que Nanã lhe traga sabedoria
Que Oxumarê provenha fartura e riquezas!
Que Oxossi lhe dê conhecimento e vida
E, que meu pai Oxalá te abençoe e lhe de paz!


Alguém um dia me enviou isso, eu acho tão lindo que queria compartilhar com vocês, não sei quem escreveu e nem lembro quem me enviou, só sei que gosto bastante e costumo enviar a pessoas que tenho um carinho especial.
Agora resolvi postar no blog.

terça-feira, março 30, 2010

Lavoura


Quatro da manhã
Dor no apogeu
A lua já se escondeu
Vestindo o céu de puro breu
E eu mal vejo a minha mão
A rabiscar
Esboço de canção.

Poesia vã
Pobre verso meu
Que brota quando feneceu
A mesma flor que concebeu
Perdido na alucinação
Do amor
Acreditando na ilusão.

Canto pra esquecer a dor da vida
Sei que o destino do amor
É sempre a despedida
A tristeza é um grão
Saudade é o chão onde eu planto
No ventre da solidão
É que nasce o meu canto.

No ventre da solidão é que nasce o meu canto...


Composição: Teresa Cristina e Pedro Amorim

quarta-feira, março 17, 2010

Inverno

Ando sozinho... Sempre andei sozinho, por mais que estivesse com alguém Vou com meus tristes olhos baixos, arrastando também meus chinelos no meu coração cresce o desejo de não ser, tudo que sufoco aqui dentro me causa aflição. Nenhuma esperança que eu possa ter... Sobrevive nessa nevoa desafeto. Eu sempre serei sozinho, não permito que ninguém habite em mim. Sóbrio, sofro o meu vazio, com meu sombrio olhar, assim... Vivo longe das multidões Psique que leva o vento no ar A vida me tortura com tiros de canhões Nunca aprendi mas vivo a amar.

por Marcelo Souza

Verão

Porque olho para o céu...
Minha alma não cabe em meu corpo, ela tenta sair pelos dedos toda vez que te faço carícias. Eu não quero ouvir os prós, moralistas não entendem a beleza de não querer algo além de ser feliz. Olho para o céu, pois se eu olhasse nos teus olhos e encontrasse nele meu reflexo eu morreria feliz. Não quero morrer...
Quero viver e ver vida
Quero mais que bem querer
Quero ser apenas eu e você.
Olho para o céu, pois não me encontro mais na Terra, a noite não me abriga, não mais.
Olho para o céu a procura de uma deusa, uma estrela que me leve, sem me tirar daqui.

por Marcelo Souza

quinta-feira, março 04, 2010

Primavera

Quantas lágrimas correram em nossas faces
E se fizeram uma em nosso abraço,
Sob o céu sertanejo, repleto de estrelas
Vagavam nossos olhos...
Faltava nosso ar.

De suspiros e surpresas lascivas
Embriagados de libido e de sono
Nossos pés se deram as mãos
Para andar no mesmo caminho

Deixando todos, tudo para trás
Sentindo parar o tempo em tua pele nua
Enquanto o mundo inteiro ainda dorme,
Ganhávamos como presentes: O céu, a Vênus e a lua.

por Marcelo Souza

Outono

Você
Quer dos sonhos utopia
Quer do ócio um ofício
Quer do vício alegria

Do amor quer abundância
Da liberdade quer estrada
Responsabilidade quer distância
Você quer o mundo em ti
Quer muito conhecer gente
Quer fingir-se de contente
Mas de nada quer sorrir

Do todo quer superficial
Quer poesia visual
Mas não quer reconstruir

Dos escombros que ficaram
não se faz nenhum reparo
quer do rio ir ao mar
seu caminho quer seguir.

por Marcelo Souza

quarta-feira, março 03, 2010

Você já comeu a Amazônia hoje?

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Por João Meirelles Filho, janeiro de 2006

Eu não aceito que, em meu nome, o governo federal brasileiro conceda autorização para o desmatamento da Amazônia, e você, aceita? Eu não autorizo que o dinheiro público, de bancos oficiais, seja empregado para a criação de bois na Amazônia, e você, autoriza?
Você e eu somos bois-de-presépio ou cidadãos do planeta? Você acredita que a sua forma de viver, alimentar-se, comportar-se, construir a sua casa, presentear seus amigos, visitar os lugares ou votar possua relação direta com a Amazônia?
Caso afirmativo, você aceitaria avaliar se está comendo ou não a Amazônia? A cada dia as pesquisas científicas e os relatórios ambientalistas são mais taxativos: não podemos nos dar ao luxo de esperar que as pessoas se convençam sobre a gravidade da situação da Amazônia. Será tarde demais quando fazendeiros, garimpeiros, madeireiros, funcionários públicos, representantes do poder público e a população em geral , despertarem para o fato.  Teremos perdido a maior parte da Amazônia.
Os fatos
Em cinco séculos 95% das populações indígenas desapareceram. Nações inteiras foram extintas pelas doenças, pela escravidão e pelas armas trazidas pelos europeus. As Nações que sobreviveram, cerca de 180, com mais de 200 mil indivíduos (1% da população da região), contam com poucos aliados  entre os funcionários públicos e organizações da sociedade civil para se defenderem de garimpeiros, caçadores, ladrões de madeira e grileiros.
 
Em termos sociais a Amazônia é uma das regiões de maiores desigualdades econômicas e sociais do planeta. Esta é, de longe, a mais violenta do país, respondendo pela maioria dos casos de morte em conflitos pela terra, número de trabalhadores escravizados em fazendas de pecuária e pela grande insegurança das áreas urbanas. Os 23 milhões de habitantes estão longe de se beneficiar da biodiversidade, da etnodiversidade, de suas riquezas culturais e da produção de madeira e minerais. O IDH (Índice de Desenvolvimento Humano, da ONU) da região equivale ao dos países mais pobres do planeta.
Em termos ambientais oferecemos, ano após ano, o maior espetáculo de pirotécnica ao queimarmos mais florestas para virarem pasto. O desmatamento e as queimadas da Amazônia tornam o Brasil um dos principais paises emissores de gases que contribuem para o efeito estufa. As mudanças climáticas são irreversíveis.

Em termos de biodiversidade, em apenas 4% da superfície terrestre a Amazônia continental deve abrigar mais de 1/5 da biodiversidade do planeta. Nas áreas mais comprometidas, como no entorno de Belém, por exemplo, ¼ das aves estão ameaçadas de extinção. Uma vez extinta uma espécie, esta extinção é para sempre.
Em termos ambientais, de 1.500 a 1.964 desmatamos menos de 1% da Amazônia. Nos últimos 40 anos desmatamos cerca de 16% da região, uma área equivalente a duas vezes a Alemanha (ou três estados de São Paulo) em pasto. Esta área de 750 mil km2 é duas vezes maior que a área agrícola do pais. Pior, 1/4 desta área encontra-se abandonada porque o objetivo de derrubar o mato foi o de tomar a posse da terra, para dizer: aqui tem dono. No momento estamos perdendo cerca de 24 mil km2 de cobertura natEm termos ambientais, de 1.500 a 1.964 desmatamos menos de 1% da Amazônia. Nos últimos 40 anos desmatamos cerca de 16% da região, uma área equivalente a duas vezes a Alemanha (ou três estados de São Paulo) em pasto. Esta área de 750 mil km2 é duas vezes maior que iva ao ano. Isto significa que a cada ano estamos desmatando uma área equivalente a 2/3 da Bélgica (ou do estado de Sergipe).
A cada ano perdemos cerca de 1% do que resta da floresta amazônica. Se nada for feito teremos perdido mais da metade da floresta nos próximos 30 anos. Eu não autorizei. Você autorizou?
Estamos apenas medindo a febre e não combatendo as causas da doença. A febre em um doente alerta que algo vai errado, é apenas um índice. Há grande comoção quando os índices de desmatamento são expostos ao vexame público, e pouco interesse em discutir as verdadeiras razões de seu crescimento.
 
São os grandes fazendeiros! - apontam uns! É a expansão da soja! - sugerem outros. É a abertura de estradas, a ineficácia e ausência do poder público, o aumento das fazendas, os madeireiros, os garimpos, e assim por diante... Será que não continuamos na periferia do problema? Será que estamos apontando apenas as conseqüências de atos que praticamos em nosso dia-a-dia, de forma relapsa, impensada e, digamos, irresponsável? Os responsáveis somos nós!
Será que estamos fazendo as perguntas certas? Quem é responsável pela maior parte dos desmatamentos? Não será difícil responder: as propriedades rurais dedicadas à pecuária. Trata-se apenas das grandes fazendas? Não, as pequenas e médias têm na pecuária bovina e bubalina (de búfalos) sua principal atividade.
E por que expande a pecuária na Amazônia? Certamente um fazendeiro tradicional irá comentar: “Porque é mais barato produzir carne na região, a terra tem pouco valor, a mão de obra é barata, há pouca fiscalização dos órgãos ambientais, trabalhistas e da receita federal”. Esta, no entanto é uma resposta insatisfatória. Afinal, esta carne vai para algum lugar. Alguém consome este produto. Os dados são claros: mais de noventa por cento da carne produzida na Amazônia é consumida no próprio Brasil, a maior parte nas regiões de maior poder econômico – Sul e Sudeste. O crescimento do consumo de carne bovina é significativo. A cada dia mais e mais pessoas querem a sua picanhazinha e a sua maminha.
Em quarenta anos, de 1964 a 2004, o rebanho bovino da Amazônia saltou de 1,5 para 60 milhões de cabeças. Parte deste rebanho é clandestino. Este lote de animais prontos para morrer para saciar o desejo de comer carne bovina representa 1/3 do rebanho brasileiro. Três cabeças de boi para cada habitante da Amazônia. No Brasil já há mais bois que gente!
A pecuária é a principal atividade econômica rural da Amazônia. Não se trata apenas de grandes e médias propriedades (estes são 25 mil famílias com áreas acima de 500 hectares). A maior parte dos 400 mil pequenos proprietários rurais da Amazônia tem na pecuária a sua principal fonte de renda (seja pelo fracasso das demais atividades econômicas, seja pela completa incompreensão do que seja a natureza amazônica ou impaciência com a Natureza, preferindo carbonizá-la a conduzir a dança da sustentabilidade).



Lembremos que estamos em um país onde a maioria vive em grande carestia. Não fosse o baixo poder aquisitivo do brasileiro o consumo de carne seria pelo menos o dobro. O brasileiro come, em média, um bife pequeno por dia (100 gramas) - 36 kg de carne/ano. Um boi de 16 arrobas tem em média 240 kg de carne. Se você comer carne bovina durante sua vida (72 anos – a idade média do brasileiro), isto significa um boi a cada 6,6 anos, 11 bois inteiros durante a vida – 2,6 toneladas de carne! Destes 11 bois, pelo menos 4 terão vindo da Amazônia, ou seja, a cada três dias o brasileiro come um bife da Amazônia.

A insistência do modelo mundial de ocupação do solo, que privilegia a pecuária, é o principal responsável pela fome e desigualdade na área rural do Planeta. A quantidade de água, solos e recursos utilizados para produzir um quilo de carne seria suficiente para alimentar pelo menos 50 pessoas. 
A expansão da pecuária é responsável por pelo menos 2/3 dos desmatamentos das florestas tropicais do planeta. Estas já ocuparam 16% do planeta. Hoje ocupam menos de 9%. Da II Guerra Mundial até hoje perdemos mais de 3% das florestas tropicais do planeta. Por quê? Principalmente porque há gente querendo comer carne bovina.
A pergunta que fazem os fazendeiros é: quanto o bife custa no seu prato? A pergunta que deve inquietar o cidadão deste planeta é: “quanto custa de esforço à Humanidade para você ter o luxo de um bife em seu prato?”
A pecuária é o pior empregador que existe no planeta. A miséria brasileira no campo pode ser resumida a uma frase: a pecuária bovina expulsou o homem do campo. Numa grande fazenda na Amazônia, emprega-se diretamente uma pessoa a cada setecentos bois, que ocupa uma área de 1 mil hectares. A mesma área com agricultura familiar empregaria pelo menos 100 vezes mais, com agro-floresta em permacultura empregaria 250 pessoas!


A pecuária gera pouca renda e esta é praticamente transferida para fora das regiões produtoras. A ilha do Marajó, uma área do tamanho da Suíça, após duzentos anos de pecuária (bovina e bubalina), tornou-se uma das áreas mais pobres da Amazônia - e do planeta – com índices de desenvolvimento humano (IDH) equivalentes aos de Bangladesh. Em Chaves, no Marajó, um quarto das crianças está fora da escola e 77% das crianças não tem luz em suas escolas! A pecuária é altamente concentradora de renda. Inexiste uma única região do Brasil onde a pecuária promoveu o desenvolvimento com justiça social. Pior, a maior parte dos fazendeiros perde dinheiro com a atividade. Como não sabem fazer contas não percebem que estão ficando mais pobres a cada dia e que pouco poderão oferecer a seus filhos e netos.


Os estudos científicos do Imazon apontam que a pecuária é tão ineficiente que, em média, não oferece uma renda superior à da caderneta de poupança. Ou seja, seria mais negócio ao pecuarista vender tudo o que tem e viver do dinheiro aplicado. Por quê, então, optamos pelo boi? Porque não pensamos, somos tão bovinos quanto a ilustre e inocente criatura. Não medimos conseqüências. Pautamo-nos pelo passado. Não questionamos se o que nossos pais e avós fizeram seria o melhor para nós, para nossas famílias e para a Humanidade.
Nem sempre a Humanidade fez escolhas certas. Em sua maioria são escolhas cômodas. Não medimos as conseqüências. No entanto, estamos diante de uma encruzilhada – ou transformamos a Amazônia em um imenso pasto ou iremos entregar às futuras gerações a mais diversa e bela floresta tropical do planeta. A escolha é sua. E de mais ninguém.
Quinhentos anos de atraso
Não há por que se assustar com esta responsabilidade. O Brasil é o campeão da falta de percepção ambiental e social. A pecuária bovina é sinônimo da história da ocupação do Brasil. Desde que o primeiro europeu colocou seus pés no Brasil, foi seguido pela pata do boi. O vírus da gripe, o boi, a bíblia e a arma de fogo modificaram este continente – difícil saber o que causou mais danos.










O boi é uma fonte de proteínas de baixíssima eficiência energética (converte em carne meros 7% do que come). Com sua pata compacta o solo, causa erosão e destrói as micro-bacias e o seu consumo traz sérias conseqüências à saúde. O boi é um trator funcionando 24 horas. E por quê? Para saciar a vontade de comer picadinho, hambúrguer e estrogonofe. Para transformar o Brasil no maior pasto do planeta foi preciso “abrir” espaço para este animal. “Mato” (leia-se: floresta tropical com grande diversidade biológica) não alimenta boi. As florestas tem que ceder lugar ao pasto. Poderíamos resumir a história do desaparecimento da Natureza do Brasil em uma única lápide: “virou bife”.
Em 500 anos reduzimos os 1,5 milhões de hectares da Mata Atlântica (floresta tropical atlântica) a meros 7% de sua área original, a Caatinga para menos de 20% e o Cerrado para menos de 25% de sua área. Pior: a degradação continua, de maneira acelerada. Insistimos em ocupar novos pastos na Amazônia ao invés de melhor a produtividade do que já se transformou em pasto no Sul, Centro-Oeste e Sudeste. O Brasil continua um país irresponsável em termos de produtividade na pecuária. Dos 850 milhões de hectares do Brasil, há no país cerca de 250 milhões de hectares de pasto (cerca de 30% do país). Deste total, cerca de 30% está na Amazônia -  75 milhões de hectares. A produtividade na Amazônia é pífia – 0,7 cabeças/hectare -  símbolo da incompetência em compreender e tratar o meio físico amazônico. Vamos lembrar que o Brasil todo possui cerca de 50 milhões de hectares em área plantada!
Neste ritmo, em duas décadas teremos mais bois na Amazônia do que a totalidade do rebanho brasileiro atual (170 milhões de cabeças). No Brasil já há mais bois que brasileiros.




 



Greenpeace em ação, em outubro de 2001
Resumo de nossa história: o Brasil virou pasto e nossa grande contribuição à humanidade foi substituir a maior floresta tropical do planeta em churrasquinho. Carne com gosto de fumaça, violência e extinção de espécies. Apesar da ditadura militar ter se desmilinguido nos anos 1980 a Amazônia continua sob o domínio do medo, da lei do mais forte, do coronelismo, da grilagem de terra, da corrupção e do incentivo fiscal a quem dele não necessita. Quem manda é o revólver e a motoserra. Um boi vale mais que uma vida.










Por quê? Porquê insistimos em incorrer nos mesmos erros que nossos antepassados europeus, para quem a “pata de vaca” era sinônimo de progresso. O boi é celestial. O mato é o demônio. O arame farpado é progresso. A floresta calcinada é progresso. O mugido do boi é progresso. O pasto, que pode ser medido e contabilizado, é celestial.
O país continua a tratar a Amazônia como uma área ainda não conquistada, um imenso estoque de terra pronto para virar pasto. E mais, a Amazônia como fonte inesgotável de madeira, peixe, ouro, alumínio, energia elétrica etc.


As políticas públicas e a maior parte das empresas despreza os 10.000 anos de convivência com a floresta tropical. Desta aprendizado passo a passo, de descoberta do ser e viver. O Brasil trata as comunidades indígenas e a caboclas como culturas “primitivas”, “bárbaras” e “demoníacas”. O mato, o espaço do desconhecido, do que não pode ser controlado, é o antro do medo, da escuridão. É no mato que estão os piores horrores. Não haverá aqui uma inversão de valores? Estamos prontos a reconhecer este erro? Ou continuaremos a nos ufanar que temos o maior rebanho comercial do planeta? Que nossos bois são “bois verdes”, comem só capim?
   
Vamos continuar a nos enganar? Seremos honestos com as futuras gerações? Quem está disposto a pensar um novo Brasil? Seremos os bois-de-presépio da vez, que sentam-se na lanchonete e devoram silenciosos seus hambúrgueres? O desafio
Cabe a nós, e tão somente a nós todos, sermos diligentes e eficientes em propor um novo pacto civilizatório para a Amazônia, capaz de diminuir a pressão sobre as populações nativas e o meio ambiente. Seus 23 milhões de habitantes, com amplas necessidades de consumo, inclusive de proteínas, demandam respostas rápidas.


Afinal, come-se a Amazônia três vezes ao dia, no café-da-manhã, no almoço e no jantar. Deste total há 7 milhões de habitantes na zona rural, dos quais cerca de 2 milhões vivem em trinta mil comunidades tradicionais, em sua maioria com acesso precário a serviços públicos de educação, saúde, água, esgotos, energia, segurança e assistência técnica agrícola. Não estará na hora de nos transformarmos de destruidores em enriquecedores da natureza. Será que não bastam os 75 milhões de hectares já desmatados da Amazônia (área superior a toda área agrícola do país) para revolucionarmos nossa compreensão de floresta tropical produtiva?
Não será a hora de formarmos agricultores da sustentabilidade (permacultores), guarda-parques, guias de ecoturismo, artesãos, madeireiros cuidadosos, cientistas e estudiosos do saber local? 
E nós, continuaremos a ser meros telespectadores? Corrigindo, na verdade, somos mais que telespectadores, somos os que financiam este processo, silenciosamente, nas gôndolas de supermercado, nos espetinhos, nos pastéis de carne... Mais do que rebanhos de consumidores, de cabeça baixa, nossa ignorância alimenta a injustiça e a destruição. Aceitamos, silenciosamente, que as coisas continuem como estão.
Medidas práticas para o dia de hoje
 
Ao nível individual:
  • se você come carne, pergunte a quem lhe vende, de onde vem a carne para saber se você está comendo ou não a Amazónia?
  • Se você mora fora do Brasil – pergunte se é mesmo imprescindível  vir carne da Amazônia e das outras florestas tropicais (muitas vezes você come a Amazónia na forma de soja, que ao invés de alimentar pessoas é dado a porcos, galinhas e vacas).
Que medidas o poder público pode tomar agora por meio de decreto:
  • aumentar a taxa do imposto territorial rural das áreas de pastagens;
  • modificar a fórmula de cálculo do imposto de renda dos fazendeiros;
  • fiscalizar com seriedade as questões ambientais, trabalhistas e tributárias da cadeia produtiva da carne na Amazônia.
Ao nível coletivo nacional:
  • Não seria oportuno discutir uma moratória de alguns anos, digamos, quatro anos, onde nenhuma autorização de desmatamento fosse concedida. Não seria este um tipo de compromisso que um novo presidente da República deveria assumir?
  • Não seria oportuno organizar um amplo programa de re-educação para fazendeiros e suas famílias, permitindo que fossem capacitados em técnicas sustentáveis de convivência com a floresta? Afinal, eles são pessoas como nós, que só querem ter uma vida digna para si e seus familiares. A pecuária é apenas o meio de vida que se lhes coube e que sabem trabalhar.
Ao nível coletivo internacional:
  • Não está na hora de efetivamente discutir a relação entre a destruição das florestas tropicais do globo e a pecuária e o consumo de madeiras tropicais? 

Teremos que olhar a Amazônia de outra forma, não através dos olhos bovinos que esmagaram o futuro nos últimos cinco séculos. É preciso que aceitemos que não somos bois-de-presépio nem bois-de-piranha. Somos seres capazes de decidir o que queremos. E queremos justiça social, ambiente saudável, emprego e renda com eqüidade. Queremos entregar às futuras gerações a Amazônia com a etnodiversidade, a biodiversidade e a diversidade cultural melhor ou igual àquela que recebemos.
 



                                       ___________________ 
João Meirelles vive em Belém, Pará, na região do estuário do rio Amazonas. Trabalha numa entidade sem fins lucrativos, o Instituto Peabiru – www.peabiru.org.br - e se dedica ao fortalecimento institucional de organizações sem fins lucrativos da Amazônia. É autor do Livro de Ouro da Amazônia (3a edição, Ediouro, Rio de Janeiro, 2004). Décima geração de pecuaristas que abriram as fronteiras pioneiras do Brasil, deixou de comer carne bovina em 2.000. Este artigo foi publicado em novembro de 2005 no sítio www.vegetarianismo.com.br


Sabe-se que este é um índice médio. O consumidor  da classe alta e média chegam a comer mais de 3 vezes esta cifra - 108 kg/carne bovina/ano. Ou seja, um caminhão com 32 bois, mais de 7,5 toneladas de carne em sua vida! Quanto custa para a Humanidade este bife?

Trabalho Infantil - Vergonha!

O trabalho infantil ainda é um problema grave no Brasil. Mais de 5 milhões de jovens entre 5 e 17 anos de idade trabalham no país , apesar da lei estabelecer 16 anos como a idade mínima para o ingresso no mercado de trabalho.

Na última década, o governo brasileiro ratificou convenções internacionais sobre o assunto e o combate ao trabalho infantil se tornou prioridade na agenda nacional.Foram criados órgãos, alteradas leis e implantados programas de geração de renda para as famílias, jornada escolar ampliada e bolsas para estudantes, numa tentativa de dar melhores condições para que essas crianças não tivessem que sair de casa tão cedo para ajudar no sustento da família.

O número de jovens trabalhando diminuiu de mais de 8 milhões em 1992, para os cerca de 5 milhões hoje. Mas especialistas afirmam: o momento de inércia ainda não foi vencido e, se o trabalho que está sendo feito for suspenso agora, vai ser como se nada tivesse acontecido.
Trabalho infantil gera lucro pra quem explora, pobreza pra quem é explorado, faz parte da cultura econômica brasileira e está diretamente ligado ao trabalho escravo. A quem incomoda a luta contra o trabalho infantil? Incomoda aos que se incomodam com a luta contra o trabalho escravo. Incomoda aos que se incomodam com a luta contra o trabalho degradante. O combate ao trabalho infantil incomoda a quem lucra com o trabalho infantil, a quem lucra com o trabalho escravo e a quem lucra com o trabalho degradante.

A quem incomoda a dignidade humana; a quem incomoda a beleza, a resistência, a sensualidade, a honestidade, a capacidade de organização do pobre; a quem incomoda a imagem bonita dos menos favorecidos? A quem incomoda a denúncia das injustiças da pobreza? Incomoda aos ricos e incomoda a uma parcela da classe média. Pra existir um rico quantos pobres tem que existir? Me perguntou um dia um carvoeiro, cansado de trabalhar, desde criança.

No Brasil, o trabalho infantil não é conseqüência da pobreza, mas sim instrumento financiador dela. Empregar crianças significa lucro fácil. A exploração infantil gera o desemprego dos pais, trabalho escravo, crianças doentes, subnutridas, morando em precárias condições, prejudicadas na sua capacidade intelectual e no seu direito à educação, lesadas no seu direito ao lazer, ao carinho, à alegria; sem infância.

“A gente custa muito pra entender que nasceu pra ser peixe de engordar gato que engorda rico e, em casa, a gente fabrica com todo amor os próximos peixinhos. Pra fugir disso, botei todo mundo pra estudar, mas sinto um aperto no peito porque sei que o ensino é muito ruim. Filho de pobre, mesmo depois de estudar um, dois, quatro anos, continua analfabeto. “As palavras de José dos Santos, carvoeiro na região do serrado, em minas Gerais expressão a luta para mudar uma realidade.

José dos Santos está tentando romper uma corrente perversa que alimenta uma cadeia de trabalho degradante nas carvoarias brasileiras, assim como nos sisais, nas fazendas, nos canaviais, nas pedreiras e em vários setores do segmento rural que alimentam indústrias urbanas. O trabalhador que vive em trabalho degradante ou análogo a escravo, é, na sua imensa maioria, analfabeto, e foi explorado como trabalhador infantil. Aconteceu assim com seus pais e seus avós. O caminho normal é acontecer com os filhos e netos.

Infelizmente, ainda não existe no Brasil uma política social que faça a associação entre trabalho infantil e trabalho degradante, análogo a escravo ou escravo, de forma a romper esse círculo. A realidade é que o trabalhador escravo de hoje foi o trabalhador infantil de ontem. A realidade do trabalho nas carvoarias brasileiras merece uma análise diferenciada. Muitas vezes o trabalho não é considerado trabalho escravo, outras vezes sim.

Porém, sempre é um trabalho extremamente pesado e quase sempre, mesmo em casos de carteira assinada, um trabalho degradante. Acaba com a saúde do trabalhador. Muitas vezes, olhar uma carvoaria em pleno vapor é, do ponto de vista humanitário, algo inaceitável.

 Fonte: Wikipédia e Revista Mundo e Missão




                                                                      

terça-feira, fevereiro 09, 2010

Chapada Diamantina - Bahia

Surgimento

A Chapada Diamantina nem sempre foi uma imponente cadeia de serras. Há cerca de um bilhão e setecentos milhões de anos, iniciou-se a formação da bacia sedimentar do Espinhaço, a partir de uma série de extensas depressões que foram preenchidas com materiais expelidos de vulcões, areias sopradas pelo vento e cascalhos caídos de suas bordas. Sobre essas depressões depositaram-se sedimentos em uma região em forma de bacia, sob a influencia de rios, ventos e mares. Posteriormente, aconteceu um fenômeno chamado soerguimento, que elevou as camadas de sedimentos acima do nível do mar, pressionada pela força epirogenética, tendo aos pouco um sofrível erguimento ao longo de milhões de anos. As inúmeras camadas de arenitos, conglomerados, e calcários, hoje expostas na Chapada Diamantina, representam os depósitos sedimentares primitivos; a paisagem atual é o produto das atividades daqueles agentes ao longo do tempo geológico. Nas ruas e calçadas das cidades da Chapada, lajes de superfícies onduladas revelam a ação dos ventos e das águas que passavam sobre areais antigos.

A História

A criação e ocupação das cidades e vilas da Chapada Diamantina é fruto direto da exploraçào do diamante. Antes da descoberta desta pedra preciosa a região era vagamente povoada e ainda comandada pelo índios Maracás, que respondiam com violência à chegada de estranhos. A agropecuária praticada nas grandes fazendas era a atividade econômica principal. No século XVII, por volta de 1710, foi descoberto ouro no sul da Chapada ( próximo ao Rio de Contas pequeno, nesta época surgiram as vilas de Rio de Contas e Jacobina. Mal o ouro havia se esgotado, as pedras preciosas foram descobertas. A exploração do diamante começou após a expedição dos naturalistas alemães Spix e Martius, em 1820, que confirmou o potencial diamantino da Serra do Sincorá, levando centenas de garimpeiros para lá.Com a corrida do diamante foram nascendo as cidades: Mucugê, Andaraí e Lençóis, esta última tornando-se a Capital do Diamante. Os garimpeiros armavam suas barracas de toldo, parecendo lençóis estendidos, às margens dos rios mais ricos em diamantes. Daí teria se originado o nome da cidade.
É importante destacar também a exploraçào do carbonato na Chapada Diamantina. Inicialmente desprezado pelos garimpeiros, a partir de 1871 foi disputado a altos preços pelos países europeus, interessados em elementos resistentes para as máquinas e construções que alavancavam a Revolução Industrial.
Conforme o crescimento das vilas e povoados, casas de taipa ou adobe eram erguidas. Como nas cercanias de Xique-Xique de Igatu não havia barro suficiente, os garimpeiros do lugar lançaram mão do único material disponível e construíram suas casas de pedras.
O dinheiro que corria à solta nas lavras atraía gente de todos os lugares: aventureiros, sertanejos que abandonavam as lavouras, fugitivos da justiça, donos de escravos, prostitutas, comerciantes, capangueiros, garimpeiros oriundos do Arrail do Tijuco (atualmente Diamantina) e tantos outros.
No entanto, após vinte e cinco anos, duração aproximada da fase áurea do ciclo do diamante, o esgotamento da lavra na Chapada provocou o desmoronamento da economia e a decadência das cidades.

Com a proclamação da República, o que restou na região da Chapada começou a ser disputado pelos Coronéis que redobraram suas lutas pela posse da terra e pelo domímio político. Após a revolução de 1930 e suas conseqüências, a Chapada Diamantina, sem lideranças políticas e com a economia completamente destroçada, se estagnou por um longo período. A recuperação bem recente se deve ao desenvolvimento do turismo e à implantação de polos de agricultura moderna. Ainda hoje, alguns moradores vivem do garimpo, apesar da região ter sido transformada em Parque Nacional.

O Coronelismo

Região marcada por grandes diferenças sociais e concentrações de renda, a Chapada Diamantina foi, da segunda metade do século XIX até década de 1930, um barril de pólvora comandado por poucos e muito poderosos coronéis. As tradicionais famílias proprietárias de terra davam abrigo e emprego para os colonos e exploradores a procura de riquezas, e em troca conquistavam a gratidão e fidelidade dessas pessoas. Formaram-se assim verdadeiros exércitos de jagunços disposto a defender com a própria vida os interesses dos patrões.

As divergências entre coronéis levaram à criação de dois partidos políticos que, mais que uma posição ideológica, representavam uma escolha social. Os liberais e conservadores (ou pinguelas e mandiocas, apelidos dados a um pelo outro) dividiam-se em tudo, do uso obrigatório da cor-símbolo do partido à formação de duas orquestras filarmônicas que disputam as atenções nas festas populares.

As mudanças da transição do Império para a República, ainda que chegando com certo atraso à região, acirraram ainda mais a tensão política dos grupos rivais. A tentativa de centralização do poder em um governo federal (e a consequente perda de influência na política local) e a abolição da escravatura foram mudanças que assustaram a política conservadora local. Batalhão Patriótico das Lavras Diamantinas, sob o comando do Cel. Horácio (sentado)

Com a morte do coronel Felisberto Augusto de Sá em 1896, acirraram-se as disputas pelo poder na região. Os coronéis Felisberto Sá e Heliodoro de Paula Ribeiro travaram, através de seus jagunços, uma verdadeira guerra na região. O seqüestro do filho de Felisberto, Francisco Sá, agravou a disputa, que só terminou com a intervenção do governador baiano.

Um período de relativa paz marcou a passagem de comando dos coronéis a seus sucessores. Horácio de Matos, sobrinho de Clementino de Matos (outro coronel), é chamado para assumir as áreas do tio e propõe paz entre as famílias. Um curioso início de carreira para o homem que, após violentas batalhas contra a Coluna Prestes, seria definitivamente considerado o coronel mais temido e respeitado da Chapada.
(Carlos F. d'Andréa)

O Parque Nacional da Chapada Diamantina

O Parque Nacional da Chapada Diamantina foi fundado em 1985 com a intenção de proteger a região - já muito prejudicada pela mineração e criação de gado - e incentivar o turismo e pesquisa científica. A área total do parque é de 1520 km2 e abriga mais da metade da serra do Sincorá.

O ecossistema atual da região é bem diferente do encontrado pelos primeiros badeirantes que a exploraram. Grandes árvores foram derrubadas para facilitar a mineração, que também ocasionou a erosão do solo. Com a proibição do garimpo na região do Parque Nacional, o fogo, colocado tradicionalmente nos pastos pelos fazendeiros, é hoje o grande inimigo do ecosistema.
Com altitude média entre 800 e 1000 metros, a Chapada é formada por um extenso planalto que possui picos de até 1.700m, o que favorece a formação de grandes vales.O principal período de chuvas da região é de novembro a fevereiro, e durante todo o ano há grandes variações diárias de temperatura.
Os solos rasos, consequência das escavações, facilitam o escoamento das águas através das encostas. A Chapada é o grande divisor de águas entre a bacia do São Francisco e os rios que rumam para o Oceano Atlântico, como o Paraguaçu.
A vegetação é bem diversificada, misturando florestas de planície, campos rupestres, agrestes e caatinga (nas terras secas). Nos vales à beira dos rios, por exemplo, a mata é densa e os solos, mais ricos.
Uma atração à parte são os mais de 50 tipos de orquídeas, bromélias e trepadeiras que, de abril a agosto, embelezam os cenários da Chapada. A região possui também muitas plantas que são usadas para fins medicinais.
Entre os animais encontrados na rica fauna da região estão o tamanduá bandeira, tatu canastra, porcos espinhos, gatos selvagens, capivaras e inúmeros tipos de pássaros e cobras. Algumas espécies estão ameaçadas de extinção, principalmente devido à caça.

Lendas

Pai Inácio

Um escravo chamado Inácio havia se apaixonado pelo filha de seu senhor e, por este motivo, condenado à morte pelo pai da moça. Fugindo dos matadores contratados pelo senhor, o escravo Inácio tentou se esconder num morro, acuado por seus perseguidores, não lhe restou alternativa a não ser saltar do alto do morro, que hoje leva o seu nome. Para evitar a morte abriu um guarda-chuva, que lhe fora dado de recordação por sua amada, e desceu ao solo suavemente e sem ferimentos. Inácio partiu correndo para a mata onde se escondeu e até hoje não fora encontrado.

Encanto do Diamante

Conta-se que há uma forte união entre os diamantes e os astros. Os garimpeiros antigos contavam que para cada estrela no céu existia um diamante na terra. O garimpeiro só achava o diamante se os astros permitissem. Para que isso acontecesse era preciso ocorrer o "bambúrrio", uma encantamento entre o garimpeiro, a pedra e os astros (estrelas), era essa união que dava sorte ao garimpeiro para achar os diamantes - "E quando o garimpeiro vê a luz correr na serra ele sabe: é o chamado do diamante. Ele foi escolhido. Homem, diamante e estrela: está fechado o triângulo da magia." Assim nasce o "encantamento".

Pedra Viva

A lenda conta que as pedras preciosas da Chapada tinham o poder de se esconder dos maus Garimpeiros, ou seja, elas só apareciam nas bateias de seus supostos donos, aqueles predestinados a serem seus donos.

Lagoa Encantada

Conta que uma linda jovem apaixonada, sem ter seu amor correspondido, olhou-se nas águas da Lagoa para tentar certificar-se da ingratidão do seu amado, que a rejeitava. Constatada a injustiça que sofria, desistiu de viver e jogou-se nas águas profundas. Uma Síncope impediu que a jovem se afogasse, prendendo seus cabelos longos no tronco de uma árvore, com a cabeça fora d'água. A jovem foi encontrada ainda viva, protegida pela Lagoa. Seu amado porém, comovido com a atitude da jovem, foi ao seu encontro. Conta-se que desde então viveram em felicidade.

Chamamento

Segundo a crença do Chamamento, os diamantes atraem seus donos por causa de sua luz e seu som peculiar. O Chamamento consiste no fenômeno no qual o garimpeiro, quando se aproxima de sua pedra, escuta leves batidas nela e vê uma intensa luz sobre a serra.

Culinária

A Chapada Diamantina ainda preserva na culinária peculiaridades herdadas dos antigos garimpeiros. Além de pratos de sabor refinado, destacam-se os doces (ambrosia balas de genipapo e brevidade) e os licores, que são produzidos mais ná época junina (junho).

Arroz de Garimpeiro
arroz bem cozido com carne do sol picada e com algumas verduras.

Cortado de Palma
Um ensopado do mandacaru com temperos.

Cortados Diversos
Picadinhos de verduras ( abóbora, batatinha, chuchu e maxixe)

Fritada de mamão verde
Frigideira de mamão verde.

Godó de banana
picadinho de banana verde com carne de sol e carne de sertão.

Maturi
Polpa da castanha do caju com coco ralado, leite de côco e dendê.

Peixe no Bambá
Peixe cozido junto com a polpa do dendê.

Pirão de parida
Pirão do caldo da galinha (caipira) com bastante tempero verde (coentro, salsa, cebolinha, etc.).

Salada de batata da serra
Um tipo de batatas muito usada pelos garimpeiros, pois contém muita água.

Sopa de Fruta Pão
Fruta típica da região e que possui um grande valor nutritivo.

Festas

As Festas na Chapada são tipicamente religiosas, ou melhor, profanas, mas por motivos religiosos. Os padroeiros são na sua maioria comemorados em janeiro e junho. Merece destaque os festejos de São João em Lençóis (considerado o mais tradicional da bahia, com atrações como: Concurso de Quadrilhas, Alambique, Casamento na Roça e Shows de Dominguinhos, Trio Nordestino, Carlos Pita, Hugo Luna, entre outros.

O Festival de Inverno de Lençóis é outra boa opção, acontece em Setembro e reune astros como: Gilberto Gil, Lenine, João Bosco, Lobão, Ana Carolina, Zélia Duncan, Guilherme Arantes e outros.

Esportes
A Chapada Diamantina se adequa perfeitamente para a pratica dos esportes radicais. Rappel, Canyoning, Tiroleza, Espeleomergulho, Trekking, Off Road, Balonismo, Canoagem, Mountain Bike e Trilhas de Cross são alguns dos esportes de aventura possíveis de serem praticados na região.

Crenças Religiosas e Manifestações Culturais

Jarê

Místicos e religiosos, os garimpeiros, procuravam as velhas nagôs para saber, através dos orixás, se eles um dia teriam o merecimento de um diamante. E assim começa o Jarê na cidade de Lençóis, o culto dos negros. A dimensão religiosa e sagrada do culto, que nasceu, e só existe, na Chapada Diamantina é gigantesca. Uma variação do candomblé, impregnada pelo simbolismo negro e indígena, assim pode ser definido o Jarê. +Leia Mais

Curiosidades

VOCÊ SABIA...

Que há mais de 600 milhões de anos a Chapada Diamantina era coberta pelo mar. Hoje em dia ainda é possível encontrar conchas e pedaços de corais em cavernas e leitos de rios.
Que a paisagem da Chapada Diamantina começou a se modificar com o choque de dois blocos continentais. Este fenômeno forçou a criação de morros, cânions e rios.
Que seu acervo arquitetônico é constituído basicamente por edifícios da segunda metade do século passado, construídos com diferentes técnicas onde se destacam as cores vivas de suas alvenarias e esquadrias.
Que o Parque Nacional da Chapada Diamantina foi criado em 1985, por decreto federal, abrangendo uma área de 152 mil hectares na serra do Sincorá e arredores.
Que o Parque Nacional localiza-se no centro da Bahia e abrange os municípios de Lençóis, Palmeiras, Andaraí, Mucugê e Ibicoara.
Que é na Chapada Diamantina que se encontra os três pontos mais altos do Estado da Bahia. O Pico das Almas com 1.958 metros, o Pico do Itobira com 1.970 metros e, o mais alto, o Pico do Barbado com 2.080 metros de altitude.
Que a cachoeira Glass ou Fumaça, com seus 420 metros de queda livre é a maior do Brasil. Ela recebeu este nome porque a força do vento por muitas vezes, não deixa a água tocar o chão, sendo jogada para o alto em jato nevoento.
Que os melhores meses para se visitar o Poço Encantado fica entre abril e setembro, pois nesses meses ocorre um interessantíssimo fenômeno da natureza; no período da manhã um raio de sol entra por uma clarabóia e incide sobre a água cristalina, criando um efeito belíssimo.
Que no Poço Encantado foi descoberta uma espécie raríssima de bagre albino com cerca de 4 cm, 3 antenas e sem olhos.
Que a descoberta das jazidas de diamantes foi feita pelos naturalistas alemães Spix e Martius, no ano de 1820.
Que na Chapada há mais de 100 grutas catalogadas, recheadas de estalactites, estalagmites, rios subterrâneos e painéis com pinturas rupestres.
Que a Gruta do Lapão é a maior caverna de quartzito da América, c