quinta-feira, setembro 29, 2011

O Homem de Cabeça de Papelão

- João do Rio

No País que chamavam de Sol, apesar de chover, às vezes, semanas inteiras, vivia um homem de nome Antenor. Não era príncipe. Nem deputado. Nem rico. Nem jornalista. Absolutamente sem importância social.


O País do Sol, como em geral todos os países lendários, era o mais comum, o menos surpreendente em idéias e práticas. Os habitantes afluíam todos para a capital, composta de praças, ruas, jardins e avenidas, e tomavam todos os lugares e todas as possibilidades da vida dos que, por desventura, eram da capital. De modo que estes eram mendigos e parasitas, únicos meios de vida sem concorrência, isso mesmo com muitas restrições quanto ao parasitismo. Os prédios da capital, no centro elevavam aos ares alguns andares e a fortuna dos proprietários, nos subúrbios não passavam de um andar sem que por isso não enriquecessem os proprietários também. Havia milhares de automóveis à disparada pelas artérias matando gente para matar o tempo, cabarets fatigados, jornais, tramways, partidos nacionalistas, ausência de conservadores, a Bolsa, o Governo, a Moda, e um aborrecimento integral. Enfim tudo quanto a cidade de fantasia pode almejar para ser igual a uma grande cidade com pretensões da América. E o povo que a habitava julgava-se, além de inteligente, possuidor de imenso bom senso. Bom senso! Se não fosse a capital do País do Sol, a cidade seria a capital do Bom Senso!


Precisamente por isso, Antenor, apesar de não ter importância alguma, era exceção mal vista. Esse rapaz, filho de boa família (tão boa que até tinha sentimentos), agira sempre em desacordo com a norma dos seus concidadãos.


Desde menino, a sua respeitável progenitora descobriu-lhe um defeito horrível: Antenor só dizia a verdade. Não a sua verdade, a verdade útil, mas a verdade verdadeira. Alarmada, a digna senhora pensou em tomar providências. Foi-lhe impossível. Antenor era diverso no modo de comer, na maneira de vestir, no jeito de andar, na expressão com que se dirigia aos outros. Enquanto usara calções, os amigos da família consideravam-no um enfant terrible, porque no País do Sol todos falavam francês com convicção, mesmo falando mal. Rapaz, entretanto, Antenor tornou-se alarmante. Entre outras coisas, Antenor pensava livremente por conta própria. Assim, a família via chegar Antenor como a própria revolução; os mestres indignavam-se porque ele aprendia ao contrario do que ensinavam; os amigos odiavam-no; os transeuntes, vendo-o passar, sorriam.


Uma só coisa descobriu a mãe de Antenor para não ser forçada a mandá-lo embora: Antenor nada do que fazia, fazia por mal. Ao contrário. Era escandalosamente, incompreensivelmente bom. Aliás, só para ela, para os olhos maternos. Porque quando Antenor resolveu arranjar trabalho para os mendigos e corria a bengala os parasitas na rua, ficou provado que Antenor era apenas doido furioso. Não só para as vítimas da sua bondade como para a esclarecida inteligência dos delegados de polícia a quem teve de explicar a sua caridade.


Com o fim de convencer Antenor de que devia seguir os tramitas legais de um jovem solar, isto é: ser bacharel e depois empregado público nacionalista, deixando à atividade da canalha estrangeira o resto, os interesses congregados da família em nome dos princípios organizaram vários meetings como aqueles que se fazem na inexistente democracia americana para provar que a chave abre portas e a faca serve para cortar o que é nosso para nós e o que é dos outros também para nós. Antenor, diante da evidência, negou-se.


— Ouça! bradava o tio. Bacharel é o princípio de tudo. Não estude. Pouco importa! Mas seja bacharel! Bacharel você tem tudo nas mãos. Ao lado de um político-chefe, sabendo lisonjear, é a ascensão: deputado, ministro.


— Mas não quero ser nada disso.


— Então quer ser vagabundo?


— Quero trabalhar.


— Vem dar na mesma coisa. Vagabundo é um sujeito a quem faltam três coisas: dinheiro, prestígio e posição. Desde que você não as tem, mesmo trabalhando — é vagabundo.


— Eu não acho.


— É pior. É um tipo sem bom senso. É bolchevique. Depois, trabalhar para os outros é uma ilusão. Você está inteiramente doido.


Antenor foi trabalhar, entretanto. E teve uma grande dificuldade para trabalhar. Pode-se dizer que a originalidade da sua vida era trabalhar para trabalhar. Acedendo ao pedido da respeitável senhora que era mãe de Antenor, Antenor passeou a sua má cabeça por várias casas de comércio, várias empresas industriais. Ao cabo de um ano, dois meses, estava na rua. Por que mandavam embora Antenor? Ele não tinha exigências, era honesto como a água, trabalhador, sincero, verdadeiro, cheio de idéias. Até alegre — qualidade raríssima no país onde o sol, a cerveja e a inveja faziam batalhões de biliosos tristes. Mas companheiros e patrões prevenidos, se a princípio declinavam hostilidades, dentro em pouco não o aturavam. Quando um companheiro não atura o outro, intriga-o. Quando um patrão não atura o empregado, despede-o. É a norma do País do Sol. Com Antenor depois de despedido, companheiros e patrões ainda por cima tomavam-lhe birra. Por que? É tão difícil saber a verdadeira razão por que um homem não suporta outro homem!


Um dos seus ex-companheiros explicou certa vez:


— É doido. Tem a mania de fazer mais que os outros. Estraga a norma do serviço e acaba não sendo tolerado. Mau companheiro. E depois com ares...


O patrão do último estabelecimento de que saíra o rapaz respondeu à mãe de Antenor:


— A perigosa mania de seu filho é por em prática idéias que julga próprias.


— Prejudicou-lhe, Sr. Praxedes?


Não. Mas podia prejudicar. Sempre altera o bom senso. Depois, mesmo que seu filho fosse águia, quem manda na minha casa sou eu.


No País do Sol o comércio ë uma maçonaria. Antenor, com fama de perigoso, insuportável, desobediente, não pôde em breve obter emprego algum. Os patrões que mais tinham lucrado com as suas idéias eram os que mais falavam. Os companheiros que mais o haviam aproveitado tinham-lhe raiva. E se Antenor sentia a triste experiência do erro econômico no trabalho sem a norma, a praxe, no convívio social compreendia o desastre da verdade. Não o toleravam. Era-lhe impossível ter amigos, por muito tempo, porque esses só o eram enquanto. não o tinham explorado.


Antenor ria. Antenor tinha saúde. Todas aquelas desditas eram para ele brincadeira. Estava convencido de estar com a razão, de vencer. Mas, a razão sua, sem interesse chocava-se à razão dos outros ou com interesses ou presa à sugestão dos alheios. Ele via os erros, as hipocrisias, as vaidades, e dizia o que via. Ele ia fazer o bem, mas mostrava o que ia fazer. Como tolerar tal miserável? Antenor tentou tudo, juvenilmente, na cidade. A digníssima sua progenitora desculpava-o ainda.


— É doido, mas bom.


Os parentes, porém, não o cumprimentavam mais. Antenor exercera o comércio, a indústria, o professorado, o proletariado. Ensinara geografia num colégio, de onde foi expulso pelo diretor; estivera numa fábrica de tecidos, forçado a retirar-se pelos operários e pelos patrões; oscilara entre revisor de jornal e condutor de bonde. Em todas as profissões vira os círculos estreitos das classes, a defesa hostil dos outros homens, o ódio com que o repeliam, porque ele pensava, sentia, dizia outra coisa diversa.


— Mas, Deus, eu sou honesto, bom, inteligente, incapaz de fazer mal...

— É da tua má cabeça, meu filho.


— Qual?


— A tua cabeça não regula.


— Quem sabe?


Antenor começava a pensar na sua má cabeça, quando o seu coração apaixonou-se. Era uma rapariga chamada Maria Antônia, filha da nova lavadeira de sua mãe. Antenor achava perfeitamente justo casar com a Maria Antônia. Todos viram nisso mais uma prova do desarranjo cerebral de Antenor. Apenas, com pasmo geral, a resposta de Maria Antônia foi condicional.


— Só caso se o senhor tomar juízo.


— Mas que chama você juízo?


— Ser como os mais.


— Então você gosta de mim?


— E por isso é que só caso depois.


Como tomar juízo? Como regular a cabeça? O amor leva aos maiores desatinos. Antenor pensava em arranjar a má cabeça, estava convencido.


Nessas disposições, Antenor caminhava por uma rua no centro da cidade, quando os seus olhos descobriram a tabuleta de uma "relojoaria e outros maquinismos delicados de precisão". Achou graça e entrou. Um cavalheiro grave veio servi-lo.


— Traz algum relógio?


— Trago a minha cabeça.


— Ah! Desarranjada?


— Dizem-no, pelo menos.


— Em todo o caso, há tempo?


— Desde que nasci.


— Talvez imprevisão na montagem das peças. Não lhe posso dizer nada sem observação de trinta dias e a desmontagem geral. As cabeças como os relógios para regular bem...


Antenor atalhou:


— E o senhor fica com a minha cabeça?


— Se a deixar.


— Pois aqui a tem. Conserte-a. O diabo é que eu não posso andar sem cabeça...


— Claro. Mas, enquanto a arranjo, empresto-lhe uma de papelão.


— Regula?


— É de papelão! explicou o honesto negociante. Antenor recebeu o número de sua cabeça, enfiou a de papelão, e saiu para a rua.


Dois meses depois, Antenor tinha uma porção de amigos, jogava o pôquer com o Ministro da Agricultura, ganhava uma pequena fortuna vendendo feijão bichado para os exércitos aliados. A respeitável mãe de Antenor via-o mentir, fazer mal, trapacear e ostentar tudo o que não era. Os parentes, porem, estimavam-no, e os companheiros tinham garbo em recordar o tempo em que Antenor era maluco.


Antenor não pensava. Antenor agia como os outros. Queria ganhar. Explorava, adulava, falsificava. Maria Antônia tremia de contentamento vendo Antenor com juízo. Mas Antenor, logicamente, desprezou-a propondo um concubinato que o não desmoralizasse a ele. Outras Marias ricas, de posição, eram de opinião da primeira Maria. Ele só tinha de escolher. No centro operário, a sua fama crescia, querido dos patrões burgueses e dos operários irmãos dos spartakistas da Alemanha. Foi eleito deputado por todos, e, especialmente, pelo presidente da República — a quem atacou logo, pois para a futura eleição o presidente seria outro. A sua ascensão só podia ser comparada à dos balões. Antenor esquecia o passado, amava a sua terra. Era o modelo da felicidade. Regulava admiravelmente.


Passaram-se assim anos. Todos os chefes políticos do País do Sol estavam na dificuldade de concordar no nome do novo senador, que fosse o expoente da norma, do bom senso. O nome de Antenor era cotado. Então Antenor passeava de automóvel pelas ruas centrais, para tomar pulso à opinião, quando os seus olhos deram na tabuleta do relojoeiro e lhe veio a memória.


— Bolas! E eu que esqueci! A minha cabeça está ali há tempo... Que acharia o relojoeiro? É capaz de tê-la vendido para o interior. Não posso ficar toda vida com uma cabeça de papelão!


Saltou. Entrou na casa do negociante. Era o mesmo que o servira.


— Há tempos deixei aqui uma cabeça.


— Não precisa dizer mais. Espero-o ansioso e admirado da sua ausência, desde que ia desmontar a sua cabeça.


— Ah! fez Antenor.


— Tem-se dado bem com a de papelão? — Assim...


— As cabeças de papelão não são más de todo. Fabricações por séries. Vendem-se muito.


— Mas a minha cabeça?


— Vou buscá-la.


Foi ao interior e trouxe um embrulho com respeitoso cuidado.


— Consertou-a?


— Não.


— Então, desarranjo grande?


O homem recuou.


— Senhor, na minha longa vida profissional jamais encontrei um aparelho igual, como perfeição, como acabamento, como precisão. Nenhuma cabeça regulará no mundo melhor do que a sua. É a placa sensível do tempo, das idéias, é o equilíbrio de todas as vibrações. O senhor não tem uma cabeça qualquer. Tem uma cabeça de exposição, uma cabeça de gênio, hors-concours.


Antenor ia entregar a cabeça de papelão. Mas conteve-se.


— Faça o obséquio de embrulhá-la.


— Não a coloca?


— Não.


— V.EX. faz bem. Quem possui uma cabeça assim não a usa todos os dias. Fatalmente dá na vista.


Mas Antenor era prudente, respeitador da harmonia social.


— Diga-me cá. Mesmo parada em casa, sem corda, numa redoma, talvez prejudique.


— Qual! V.EX. terá a primeira cabeça.


Antenor ficou seco.


— Pode ser que V., profissionalmente, tenha razão. Mas, para mim, a verdade é a dos outros, que sempre a julgaram desarranjada e não regulando bem. Cabeças e relógios querem-se conforme o clima e a moral de cada terra. Fique V. com ela. Eu continuo com a de papelão.


E, em vez de viver no País do Sol um rapaz chamado Antenor, que não conseguia ser nada tendo a cabeça mais admirável — um dos elementos mais ilustres do País do Sol foi Antenor, que conseguiu tudo com uma cabeça de papelão.

João do Rio foi o pseudônimo mais constante de João Paulo Emílio Coelho Barreto, escritor e jornalista carioca, que também usou como disfarce os nomes de Godofredo de Alencar, José Antônio José, Joe, Claude, etc., nada ou quase nada escrevendo e publicando sob o seu próprio nome. Foi redator de jornais importantes, como "O País" e "Gazeta de Notícias", fundando depois um diário que dirigiu até o dia de sua morte, "A Pátria". Contista romancista, autor teatral (condição em que exerceu a presidência da Sociedade Brasileira de Autores Teatrais, tradutor de Oscar Wilde, foi membro da Academia Brasileira de Letras, eleito na vaga de Guimarães Passos. Entre outros livros deixou "Dentro da Noite", "A Mulher e os Espelhos", "Crônicas e Frases de Godofredo de Alencar", "A Alma Encantadora das Ruas", "Vida Vertiginosa", "Os Dias Passam", "As religiões no Rio" e "Rosário da Ilusão", que contém como primeiro conto a admirável sátira "O homem da cabeça de papelão". Nascido no Rio de Janeiro a 05 de agosto de 1881, faleceu repentinamente na mesma cidade a 23 de junho de 1921.

O texto acima foi extraído do livro "Antologia de Humorismo e Sátira", organizada por R. Magalhães Júnior, Editora Civilização Brasileira — Rio de Janeiro, 1957, pág. 196.

FONTE: http://www.releituras.com/joaodorio_homem.asp

quarta-feira, setembro 28, 2011

Borboletas

As borboletas constituem um importante grupo da família dos insetos e pertence à ordem dos Lepidópteros, termo que significa literalmente “asas em escamas”. Todas as borboletas passam por uma metamorfose que se da em quatro estágios de vida: ovo, lagarta, pupa ou crisálida e adulto ou imago. O estágio de pupa distingue as borboletas dos outros insetos que, no seu ciclo inicial, parecem apenas adultos em miniatura.
Seu corpo é constituído por três partes: cabeça, tórax e abdome. O corpo externo é coberto por pêlos sensores, suas asas contêm películas que liberam hormônios voláteis durante o acasalamento. A cabeça é dotada de um par de antenas sensíveis ao tato e a odores, um par de olhos que permite ampla visão angular. As borboletas detectam movimentos, mas não vêem detalhes; outro componente da cabeça é a proboscídea ou língua, usada para sugar.Contém 3 segmentos que saem os 3 pares de pernas,os músculos de vôo que estão ligados a base das asas,o segundo e o terceiro par de asas,estão ligados ao segundo e ao terceiro segmentos do tórax.Contém o sistema digestivo e o excretor; os órgãos sexuais são encontrados na extremidade do abdome.


Ciclo de vida das Borboletas 
Ovo
Após o acasalamento, que pode durar até cerca de uma hora, a fêmea procura as plantas adequadas para colocar os ovos. Nesta tarefa, conta com uma habilidade nas patas, que pode sentir o sabor das folhas das plantas, a adequação nutritiva e a ausência de fitas toxinas (plantas tóxicas), pois essas folhas serão parte do cardápio exclusivo das larvas. A fêmea bota de 200 a 500 ovos na parte inferior das folhas, os quais ficam protegidos por películas derivadas do abdome da fêmea. Apresentam formatos e tamanhos distintos, de acordo com a espécie.
 

Lagarta
No primeiro estágio a lagarta sai do ovo e, conforme vai crescendo,passa por um processo de mudança de pele. Sua pele externa é trocada por cinco vezes e a cada troca, ela cresce mais e se alimenta até ter mais ou menos de três a seis semanas, que é o tempo em que ela fica pronta pra se transformar em pupa. Elas abrem caminho comendo as cascas de seus ovos, preparam uma parte de ninho na parte inferior da folha e de imediato começam a comer as partes vegetais da planta em que se encontram. Devido a um determinado hormônio que elas têm as lagartas não param de comer, algumas comem durante o dia inteiro, outras o fazem durante toda a noite. No período destinado ao descanso, digestão e absorção dos nutrientes, voltam para esse ninho construído; á medida que a produção desse hormônio diminui, as lagartas consomem cada vez menos folhas; quando param de comer por completo, estão preparadas para a nova fase.

Pupa ou Crisálidas 

Todas as lagartas possuem glândulas de seda que são usadas pra tecer uma base firme, quando a larva procura a parte inferior de uma folha ou um galho mais resistente onde possa se enrolar em uma espécie de capa protetora e se transformar por completo. A pupa de muitas borboletas fica presa a um galho sob a luz solar direta e protegida pela camuflagem

A Borboleta Emerge 

Após 10 dias,ou na primavera para algumas espécies que hibernam,surge o adulto. Horas antes de emergir, a cor da pupa se altera; antes de poder voar a borboleta permanece muito vulnerável e indefesa até que suas asas sequem, processo que demora cerca de 1 hora. A partir daí, iniciam a fase de acasalamento. Os machos são visto, com freqüência, rondando as fêmeas recém saídas da fase de crisálida, antes mesmo que elas possam adquirir a plena capacidade de voar.




















 

Una vez más, el ser humano interfiere!
A agricultura intensiva, o uso de fertilizantes, pesticidas e inseticidas em geral, está contribuindo para o desaparecimento de muitas espécies de borboletas. Pior que tudo, é a degradação do meio ambiente e o desmatamento indiscriminado, o avanço de urbanização de áreas onde antes havia parques e vegetação apropriada, com plantas integrantes da dieta das borboletas nas diferentes fases do seu ciclo de vida. A substituição, nos jardins das residências e parques públicos, de plantas nativas, por espécies estranhas à flora local também contribui para o problema.
Existem muitas espécies ainda a serem descobertas. Com as alterações do meio-ambiente ou mesmo a destruição total de seus habitats, certamente jamais serão conhecidas. Muitas espécies são caçadas à exaustão, devido a sua beleza, para comporem peças artesanais de, no mais das vezes, gosto duvidoso, ou, ainda, para integrarem coleções particulares desprovidas de qualquer interesse ou conteúdo científico.

ATENÇÃO!

Nunca tente pegar uma borboleta com as mãos, pois suas asas por demais delicadas perdem as escamas que saem como se fossem um finíssimo pó ou podem se romper facilmente condenando-a a não mais voar. Não tocá-las, reflete mais um gesto pessoal de gentileza que de consciência ecológica. As borboletas dependem do vôo para concluir seu ciclo vital. No Brasil, como ha uma grande dimensão territorial e o clima tropical, há uma grande quantidade e variedade.


terça-feira, setembro 27, 2011

Devendra Banhart "Foolin'" (Official Video)
















Melhor performace, que já vi, do Devendra!!
Sensasionalissss!!
;D!!

Minha Intervenção na Rádio MUDA/UNICAMP-Campinas-SP


"Aqui fala Electra. No coração das trevas. Sob o sol da tortura. Para as metropólis do mundo, em nome das vítimas. Rejeito todo sêmem que recebi. Transformo o leite dos meus peitos em veneno mortal. Renego o mundo que pari. Sufoco o mundo que pari. Sufoco o mundo que pari entre as minhas coxas. Eu o enterro na minha buceta. Abaixo a felicidade da subimissão. Viva o ódio, o desprezo, a insurreição, a morte. Quando ela atravessar os dormitórios com facas de carneiro, conhecereis a verdade."


"Ofélia, Hamlet Machine"

sexta-feira, setembro 09, 2011

"Hamlet-Máquina"


Desde a sua morte, aos 66 anos, a obra do diretor, dramaturgo e poeta Heine Müller (1929-1995) não para de ganhar dimensão. Enquanto multiplica-se o número de montagens por conta dos 80 anos de seu nascimento, celebrados em 2009, ele tem seu trabalho renovado pelo interesse de jovens montadores e é tido por teóricos contemporâneos como o maior nome do teatro alemão desde Bertolt Bretch (1898-1956). Um velho – e importante – companheiro, no entanto, é hoje o maior responsável pela circulação de seus textos mundo afora. Discípulo, parceiro de palco e um dos mais profícuos montadores da obra do autor, com mais de 15 textos encenados, o búlgaro Dimiter Gotscheff apresenta terça e quarta, no Espaço Sesc, o aclamado Hamlet-máquina (Hamletmachine).
– Cada vez que trabalho com seus textos, descubro um universo de possibilidades. A obra de Müller é inesgotável – atesta Gotscheff, em entrevista ao Jornal do Brasil. – Conheci-o em 1964 e foi a primeira vez que tive acesso a um trabalho de sua autoria. Desde então, ele está presente na minha vida e no meu trabalho. Apesar de já ter encenado uma série de textos, ainda não terminei de montar todos os que eu gostaria. Me sinto honrado por ele ter existido e participado da minha vida, mas o que realmente aprendi com ele foi beber uísque.
Diretor permanente do Deutsches Theater Berlim, onde começou a carreira como aluno e colega de Benno Besson, Gotscheff desenvolveu para sua minitemporada brasileira uma versão especial para o escrito – um comentário radical e atualizado sobre a mais célebre tragédia shakespeariana. Passado no fim do regime comunista na Alemanha Oriental, o texto, garante o diretor, tem sua densidade e alcance intactos, mesmo após o fim da polaridade que dividia o mundo durante o período da Guerra Fria.
– Os textos de Müller apontam para o futuro. Ele mesmo dizia que seu trabalho era um diálogo com os mortos. E por esse motivo são absolutamente válidos e importantes para a realidade de hoje – afirma o diretor. – Não é porque o comunismo ou o socialismo real acabaram que o seu texto perde pegada contemporânea. A utopia é parte integrante da escrita de Müller, assim como é elemento fundamental do meu trabalho como diretor.
Estruturada em cinco cenas que espelham o nosso tempo e a tragédia de Shakespeare, Hamlet-máquinasinaliza as catástrofes da história e da cultura ocidental e reflete sobre a crise do pensamento artístico e intelectual nos dias de hoje. Dividido entre o desejo de se transformar numa máquina sem dor ou pensamentos e a necessidade de se tornar um historiador desse tempo, o protagonista, interpretado por Gotscheff, contracena com mais dois personagens, vividos por Paula Cohen e Gero Camilo.
– Hamlet-máquina trata do fim de um sistema. E nele, o ator que interpreta Hamlet, no caso eu mesmo, se acaba junto e dentro do sistema. A frase central que simboliza a visão de Müller é “A esperança não se concretizou”. Hamlet a anuncia em seu momento mais trágico, e serve como um emblema para o mundo em que vivemos. Infelizmente, a esperança não se concretizou.
Interessado pela crítica poética de Müller, mais do que pelos desdobramentos políticos do dia a dia, Gotscheff concorda que a grave crise financeira ocorrida no último ano, uma das maiores da história, serviu muito pouco para a mudança da mentalidade ocidental e do momento cultural, histórico e social que atravessamos.
– Sou interessado pela complexidade como Müller analisa e atualiza os textos clássicos. Ele dizia que o fim do socialismo real não era uma tragédia, mas sim que o pensamento velho e conservador tenha vencido. E é o que o torna atual quando fala de utopias sociais. Vivemos num tempo de alienações. O que é muito grave para nós. Na peça, é justamente o buraco negro que se abre diante de Hamlet.

Teatro de atores
Em suas montagens, Gotscheff segue à risca a filosofia do teatro pobre, que dispensa os recursos atmosféricos dos grandes cenários e figurinos. Concentrado em desvendar a alma humana, esteve à frente dos teatros municipais de Colônia, Düsseldorf, Hamburgo e Berlim, e foi descrito pelo ator Dieter Prochnow como “o único diretor que realmente ama seus atores”.
– Fico completamente concentrado neles. Meu teatro está ali. Cenário, figurinos e recursos técnicos ficam em segundo plano.
Reduzido à essência, a concentração nos atores reflete um espetáculo espartano que contrasta e se distingue da poesia selvagem e irônica tão comum no teatro de hoje, mesmo o alemão.
– A dramaturgia contemporânea alemã me impressiona muito pouco – diz. – Müller é ainda mais do que suficiente. Só trabalho com bons textos, ou seja, desafiadores. Aí pode ser um clássico ou um contemporâneo, tanto faz.
A franqueza explica a versatilidade do encenador, que já montou obras variadas, como A luta do negro e dos cães, de Bernard-Marie Koltès; Ivanov, de Anton Tchecov; Tartufo, de Molière; A morte de um caixeiro viajante, de Arthur Miller; além de uma adaptação de Müller para Os persas, de Ésquilo; – apresentada ano passado no Brasil – assim como para Titus Andronicus, de Shakespeare, apresentada recentemente em Berlim.
– Shakespeare teria ficado feliz com o texto de Müller, que também é um gigante. E tenho a certeza de que ele teria se revirado na tumba, mas feliz, se visse a minha encenação – diverte-se. – Essa versão paraTitus... é politicamente muito atual. Fala da queda do reino romano, engolido pela periferia. Não é o que estamos vivendo e discutindo nos dias de hoje? A fome do terceiro mundo e a voracidade do mercado. A fome é o ponto central que deve ser atacado.

Walking in The Road 2 - Saída to São Thomé das Letras from Campinas-SP

Bueno, Minas Gerais en las últimas semanas fueron difices para mí despoes que la caravana partiu. Pasaron muchas cosas, cosas chatas; porém, las pocas cosas buena compensaram as ruins, ainda bem!!! Estoy en mi segundo mes de viaje y no tienen mucho de qué queixar-se, gracias!!; estoy bien, com saúde, posso trabajar; siempre que la gente me está ayudando, ya sea con una palabra, con la comida, con un lugar para dormir, entonces, não tengo mucho que reclamar. Quiero falar pouco sobre lo que pasó, mas, umas das coisas que me fizeram querer sair de São Thomé das Letras, foi o fato de nunca melhorar, sempre estava adoentada; o ar lá tá muito seco, tá muuuuuuuuito frioooo, entonces todo el tiempo que tenía problemas con la nariz, la boca, que fue cortada por el frío. Além da tosse, teve vômitos também, já tava começando a ficar preocupada. Fui ao médio, ele me examinou e receitou dois antialergicos, que tive que tomar um tempão! Não choveeeeeeeee, shit!!!!!!!!!!!

Não estava nada motivada a vender mí artesanías em la ciudad; todo mundo vendia artesanato, estava demaaasiaaadooo, no estava bien, deixei a "LOJA FECHADA!!!" rsrsrs. Pero, teve festa em la ciudad agora em Agosto, e por conseguinte, trabalhei numa pizzaria super bacana chamada "Alquimista"; descolei uma grana e, ainda por cima, 3 bolsas cheeeeeiaaaaaaaassss,  entupiiiiiiiidaaaaaaassss de comida. Fiquei espantada com o tanto de comida que vai pro lixo, como é que fazem isso com tanta gente que não tem o que comer diáriamente?!!!! (fu*%$¨#@!!!!). Levei 2 bolsas cheeeeeeiaaass, entuuuupiiidas de pizza,estava tudo boa; o povo pede e mal toca e depois vai pro lixo, é mole?!!! (fu*%$¨#@!!!!).

Passei as ultimas semanas na casa de um casal que conheci lá em São Thomé, a Suca e o André. É um jovem casal de São Paulo, tão na luta, tentando construir algo pros dois com o "Excursão São Thomé". Nos acolheram em sua casa, eu e o Luciano, o DJ gaúcho que conheci e que trabalhou comigo (na pizzaria do Biro, a primeira pizzaria que trabalhei).Como disse anteriormente,  a caravana partiu, e eu fiquei, mas não só eu fiquei; o Paul (França) e a Mônica (México) ficaram tambíen.Vim pra cidade, o Paul continuou na roça, se envolveu mais com os preparativos para o F.I.C.A., a Mônica precisou levar uma égua pro pessoal da caravana, em la ciudad que se encontravam, acho que se chamava "Luminárias". Havia "one question" apenas; queria muito ir embora de São Thomé!!!!!!! Necessitava ver novos ares, new people, new culture,new, new, only time!! The problem is that eu e a Mônica prometemos que íamos juntas para  Argentina, mas ela não cehagava e eu não agentava mais!. No ultimo fim de semana, já de saco super cheio, querendo ir pra outro lugar, comecei a procurar carona pra SP ou qualquer outro lugar mais próximo do sudeste, sei lá, de repente eu começo a cantar uma música da Céu e passa um pessoal e gosta de me ver cantando, depois eu fui falar com o pessoal e vi que eram firmeza, tranquilidade, sussa, daí perguntei de onde eram e se podiam me dar uma carona, conseguir na hooooooooora muuuuuleque!!!!!!!!!!!!!

Saímos na segunda a tarde de São Thomé; a carona era pra Campinas-SP. Foi meio chato sair e deixar todas aquelas pessoas que eu conheci e convivi durante um tempo, então, quase não me despedi das pessoas pra não sair chorando demais. Chegamos em Campinas umas 19:30 (+/-). Os caras que me deram carona foram suuuuuuuuper respeitadores comigo, compraram meus trampos, comida for me, água, até picolé. Só foram embora depois que eu encontrei meu amigo Wendell, na UNICAMP. A rapazida é FIRMEZA TOTAL!!. Apenas agradeço a reciprocidade de meu sentimentos por vocês, agradeço ao Seu Luiz, ao André, Robson e  Zé. Família gratidão eterna a vcs!!!!!!!!!! Fiquei muuuuuito emocionada com a preocupação, e dedicação em me ajudar, parecia que eu era filha deles tamanha a preocupação em me deixar "sã e salva" aqui nessa terra de gente louca, que é SP; isso tudo só me mostra, que aina posso confiar em algumas pessoas, fico contente por isso!

Grande contraste de lugares; antes em São Thomé, quase uma vila (e eu ainda fiquei na roça), pouco mais de 5 mil habitantes, agora estou em Campinas, cidade bem grande, com mais de 1 milhão de pessoas, "es  bien estranho no começo, no?!". Percebo a distância das pessoas em volta; todavia, está sendo bien interessante lo contraste. Me encontro na casa de um amigo que mora em Campinas, ele estuda na UNICAMP, sua casa é na moradia dos estudantes da universidad, "alô, alô Barão Geraldo!!". Conheço-o lá de Aracaju, estudei com sua irmã, Fabricía, na 6ª série do ensino fundamental; tem uma porrada de ano que conheço esse povo, no?!! rsrs. É o "Wendell, o Bigato", ou só Bigato. Estoy aquí com la gente que convive com ele diariamente, los outros estudantes, gente de todo canto. O pessoal do "COMPLEXO DA VIZINHANÇA" da "P 12" é baUN demais!; temos uma casa vizinha, predominantemente, de mulheres e outra, predominante, de homens, e tem essa aqui que estou, a P 12, que é, predominante, de homens, só que todo mundo vive na casa dos outros aqui, então é meio que uma Grande Família!!!!

No dia seguinte, pela manhã, depois que acordei, fomos, eu e Wendell, pra UNICAMP;  tomamos um cafezinho, ele foi pra aula e eu fiquei lá, fiquei pensando com meus botÕES: "o que é que eu vou fazer aqui nesse lugar grande e que eu não conheço ninguém?!"; comecei a andar e vi uma galera, decidir ir falar com essa galera e foi muito massa; era um pessoal que estudava história aqui na unicamp, e quando eu vi ermanos, já estava na sala deles assistindo aula de "Brasil 4 - modernismo e construção de identidade nacional", com o professor "Teixeira". Foi super da hora, fiz uma intervenção na sala, um "salve" pro pessoal, foi bAun. Tengo que mandar um "SALVE" pro pessoal da história na UFS, já que tenho muitos amigos cursando história. Salve salve, salve Madruga, FEOP, Juliana, Baiano, Barba, Luizinho, Leno... salve salve galera de Aracaju, galera das sociais, filosofia tambíen; seus colegas aqui são ótimos!  I.F.I.C.H. é do caralho na UNICAMP, vcs tem que vim aqui, tem que conhecer a "RÁDIO MUDA".

Já fui pra um festinha na UNICAMP, e foi muito boa, boa mesmo!! Começou a festa tava rolando um Reggae e um Dub muito foda, depois começou a tocar uma banda de Jazz, que simplesmentEe, eu já ganhei a noite só de ver aquilo!!!. Os caras tocaram Jazz e depois tocaram Funk/Soul, nooooooooooooooossa muuuuuuleeque, eu fiquei arrepiada com aquilo vey, depois tocou um grupo de Maracatu, muuuuuito lindo, muito rico!! Estoy bien aqui, feliz por tá tendo êxito em minha viagem, sem problemas grandes; é difícil ainda, e sempre vai ser porque estou bem longe de todas as pessoas que eu amo, todavia, essa experiência, pela qual eu to passando, não tem preço nenhum!!!!! Aqui, ficarei até o fim da semana que vem, eu acho, porque é quando Mônica deve estar chegando; de cá vamos pra Foz do Iguaçu e depois pra Argentina, por enquanto isso es lo que passa; vão se acostumando, quem lê meu blog, porque to estuando espanhol  e english, entonces, se eu não praticar não vou lembrar, e pra praticar tengo que escrever tambíen, e aqui, em meu blog, é o espaço ideal from me!

Muito grata a todas as pessoas que me ajudaram de alguma forma lá em Minas Gerais; quero agradecer a Júlia e o André, seu esposo , a Suca e ao André (2), ao "CHAOTICH Luciano", mi brother DJ , ao Paulão, as meninas do restaurante Alquimista, ao pessoal da associação de comerciantes por terem me dado a senha da Wifi, onde eu pude conversar com muita gente na net e dar noticias minhas pra algumas pessoas, Bruna Louise, valeu irmã! Agradeço tambíen ao meu amigo Paul (francês) e a Diego (italiano), que voltou lá da casa da porra só pra se despedir de mim, antes de ir pra Califórnia; ao Cowboy e a Evanisi também. Galera: GRATIDÃÃÃÃÃÃÃO ETEEEEEERNA A TODOS VCS!! 
Voltarei em Minas sim, mais vai demorar um bucadinho; estoy com mucha gana de viajar por el mundo muchachos, but I'll be back!!!!

Termino essa postagem com uma canção que gosto muito, se chama "Palavras não falam", é da Mariana Aydar, do disco "Peixes, Pássaros e Pessoas"; aconselho a todos a escuchar la musica; esse disco, para mim, foi um dos melhores que escutei esse ano, muito bem produzido!! A voz da Mariana é linda, e a banda é foooooooda!

(link do album de São thomé das Letras, direot do Facebook http://www.facebook.com/media/set/?set=a.108372159267577.10172.100002843811935)


"Eu não escrevo pra ninguém e nem pra fazer música
E nem pra preencher o branco dessa página linda
Eu me entendo escrevendo
E vejo tudo sem vaidade
Só tem eu e esse branco
Ele me mostra o que eu não sei
E me faz ver o que não tem palavras
Por mais que eu tente são só palavras
Por mais que eu me mate são só palavras
...
Eu me entendo escrevendo
E vejo tudo sem vaidade
Só tem eu e esse branco
Ele me mostra o que eu não sei
E me faz ver o que não tem palavras
Por mais que eu tente são só palavras
Por mais que eu me mate são só palavras
Só palavras


pançudo!! no esquecerei de você!


terça-feira, setembro 06, 2011

Agreste Psicodélico - Peabiru 1975





  Por Cristiano Bastos
A trilha em busca das origens de Paêbirú, o disco maldito de Lula Côrtes e Zé Ramalho, hoje o vinil mais caro do Brasil!

 
                                                                                                            No dia 29 de dezembro de 1598, os soldados liderados pelo capitão-mor da Paraíba, Feliciano Coelho de Carvalho, encalçavam índios potiguares quando, em meio à caatinga, nas fraldas da Serra da Copaoba (Planalto de Borborema), um imponente registro de ancestralidade pré-histórica se impôs à tropa. Às margens do leito seco do rio Araçoajipe, um enorme monólito revelava, aos estupefatos recrutas, estranhos desenhos esculpidos na rocha cristalina.

O painel rupestre se encontrava nas paredes internas de uma furna (formada pela sobreposição de três rochas), e exibia, em baixo-relevo, caracteres deixados por uma cultura há muito extinta. Os sinais agrupavam-se às representações de espirais, cruzes e círculos talhados, também, na plataforma inferior do abrigo rochoso.

Inquietado com a descoberta, Feliciano ordenou minuciosa medição, mandando copiar todos os caracteres. A ocorrência está descrita em Diálogos das Grandezas do Brasil, obra editada em 1618. O autor, Ambrósio Fernandes Brandão (para quem Feliciano Coelho confiou seu relato), interpretou os símbolos como "figurativos de coisas vindouras". Não se enganara. O padre francês Teodoro de Lucé descobriu, em 1678, no território paraibano, um segundo monólito, ao se dirigir em missão jesuítica para o arraial de Carnoió. Seus relatos foram registrados em Relação de uma Missão do rio São Francisco, escrito pelo frei Martinho de Nantes, em 1706.

Em 1974, quase 400 anos depois da descoberta do capitão-mor da Paraíba, os tais "símbolos de coisas vindouras" regressariam. Dessa vez, no formato e silhueta arredondada de um disco de vinil. A mais ambiciosa e fantástica incursão psicodélica da música brasileira - o LP Paêbirú: Caminho da Montanha do Sol, gravado de outubro a dezembro daquele ano por Lula Côrtes e Zé Ramalho, nos estúdios da gravadora recifense Rozemblit.

Contar a história do álbum, longe da amálgama das pessoas, vertentes sonoras e, especialmente, da chamada Pedra do Ingá que o inspirou, é impossível. Irônico é que o LP original de Paêbirú também tenha se convertido em "achado arqueológico", assim como a pedra, 33 anos depois de seu lançamento. As histórias sobre a produção do disco, como naufragou na enchente que submergiu Recife, em 1975 e, por fim, se salvara, são fascinantes.

A prensagem de Paêbirú foi única: 1.300 cópias. Mil delas, literalmente, foram por água abaixo. A calamidade levou junto a fita master do disco para que a tragédia ficasse quase completa. Milagrosamente a salvos ficaram somente 300 exemplares. Bem conservado, o vinil original de Paêbirú (o selo inglês Mr Bongo o relançou em vinil este ano) está atualmente avaliado em mais de R$ 4 mil. É o álbum mais caro da música brasileira. Desbanca, em parâmetros monetários (e sonoros: é discutível), o "inatingível" Roberto Carlos. O Rei amarga segundo lugar com Louco por Você, primeiro de sua carreira, avaliado na metade do preço do "excêntrico" Paêbirú.

A expedição no rastro dos mistérios e fábulas de Paêbirú se inicia em Olinda (Pernambuco). O artista plástico paraibano Raul Córdula me recebe em seu ateliêr. Na parede do sobrado histórico, uma cobra pictográfica serpenteia no quadro pintado por ele. A insígnia foi decalcada da mesma inscrição que, há milênios, permanece entalhada na Pedra do Ingá.

No mesmo ano de Louco por Você, 1961, o professor de geografia Leon Clerot apresentou o monumento a Córdula. O professor fizera o convite: "Me acompanhe, e verás algo que jamais se esquecerá". Uma década depois, 1972, Raul Córdula se tornou amigo de José Ramalho Neto, o jovem Zé Ramalho da Paraíba. Os conterrâneos se conheceram no bar Asa Branca, que Córdula tinha na capital, João Pessoa: "O único boteco que ficava aberto na Paraíba inteira depois das oito horas da noite, à base de 'mensalão' pago à polícia". O Zé Ramalho compositor, atesta, nascera no Asa Branca.

Córdula quis mostrar a Ramalho "algo que conhecera", e organizou uma ida ao município de Ingá do Bacamarte, localidade conhecida antigamente como Vila do Imperador, por causa da passagem de Dom Pedro II por lá. A localização de Ingá do Bacamarte é a 85 km de João Pessoa, caatinga litorânea, na zona de transição do Agreste para o Sertão. Para "fazer a viagem", Córdula também convidou o artista recifense Lula Côrtes - jovem homem que já vivera muitas aventuras. Mas aquela, proposta por Raul, ainda não.

Nenhuma surpresa foi para o guia o fato de Côrtes e Ramalho ficarem tão maravilhados com a rocha lavrada quanto os expedicionários do capitão-mor da Paraíba. A charada talhada na parede de pedra lançava-lhes o provocante desafio: como decifrariam tais arcanos - nunca compreendidos e tão majestosos - numa música que, se não codificasse, ao menos devesse tributar à remota ancestralidade brasileira? Fora essa a centelha que incendiara as idéias. Acampados na caatinga sertaneja, frente a frente com a Pedra do Ingá, Ramalho e Côrtes se decidiram pela produção de um "álbum conceitual".

O único jeito de conhecer lula Côrtes é ir visitá-lo no seu habitat: o ateliêr em Jaboatão dos Guararapes. "A Pátria Nasceu Aqui", divulga a enorme placa na divisa com a capital, Recife. O apartamento onde mora, pinta e compõe com a atual banda, Má Companhia, tem vista frontal para o Oceano Atlântico.

É no primeiro apertar de mão que Côrtes deixa patente quem é: "espírito indômito". Solta a frase para se pensar: "O mar e eu somos uma coisa só desde menino". Aos 60 anos, sua voz é profunda e roufenha. A cabeça alva, um dia revestida de pretos cabelos mouriscos. E a magra, porém resistente, compleição física remete ao obstinado homem de O Velho e o Mar. Lula tem o velho de Ernst Hemingway, entretanto, como "altruísta demais". Mais impressionado ficou com o nietzscheniano capitão Lobo Harsen, de O Lobo do Mar, romance de Jack London. Os arquétipos marítimos de London, de fato, combinam mais com ele: "Nasci à beira do mar. Ele me despertou para o cumprimento das fantasias. Nele, um dia, cacei baleias", conta, jubiloso.

É esse homem que segue narrando a mais homérica jornada de sua vida, até agora: a concepção do álbum Paêbirú. Guiados pelo parceiro mais velho, Raul Córdula, Zé Ramalho e Lula Côrtes, recém-amigos, logo de cara perceberam a fantástica mística que as inscrições da Pedra do Ingá exerciam sobre a população às cercanias do sítio arqueológico.

Foi por intermédio da arquiteta, hoje cineasta, Kátia Mesel, sua companheira na época, que Lula Côrtes veio a conhecer Zé Ramalho. Junto, o casal abriu o selo Abrakadabra, pioneiro na produção de música independente no Brasil. A "sede" do selo ficava nas dependências de um prédio pertencente ao pai de Kátia, que, nos tempos da escravatura, fora uma senzala de escravos.

Para se mergulhar na saga de produção que foi Paêbirú, é obrigatório antes se falar da simplicidade do instrumental Satwa - o álbum gerido, um ano antes, por Côrtes e o violonista Lailson de Holanda.

É o début do selo Abrakadabra. Lula faz a estréia fonográfica da sua cítara popular marroquina, o tricórdio, instrumento que trouxera da recente viagem ao Marrocos com Kátia. Em Satwa, o violão nordestino de 12 cordas de Lailson dialoga em perfeita legibilidade com o linguajar oriental do tricórdio de Lula. É, provavelmente, o encontro mais fino entre o folk e a psicodelia do qual se tem registro gravado na música brasileira.

Lailson, premiado cartunista, traduz: "Satwa é expressão do sânscrito: quer dizer 'interface e equilíbrio'". Em 2005, a norte-americana gravadora Time-Lag Records reeditou Satwa, a partir da master original. Só o nome, na realidade, foi remodelado: Satwa World Edition. Como previsto, a edição esgotou como mágica.

Após Satwa, Lula tinha aprimorado suas concepções musicais. Achava-se apto para o grande projeto que andara tramando com o parceiro Zé Ramalho desde a visita à "pedra encantada". Não perderam tempo e investiram em sérias pesquisas nas imediações. Eles caçavam a interpretação local, folclórica, mitológica sobre o admirável monólito escrito.

Nas adjacências vivia um grupo de índios cariris. Os músicos foram até eles, atrás da peculiaridade do seu tipo de música. Ouvindo, descobriram que os traços de uma cultura africana tinham se fundido à sonoridade dos indígenas.

Se fundamentado em registros arqueológicos, Zé Ramalho e Lula Côrtes concordaram que, a partir daquele ponto, haveria um caminho, que partia de São Tomé das Letras (onde existem registros da mesma escrita rupestre traçada na Pedra do Ingá) e conduzia até Machu Picchu, no Peru. A trilha que os Cariris chamavam de "Peabirú".

Chegar à mística Pedra do Ingá, hoje em dia, é fácil. Seguindo pela BR 101, no trecho Recife - Paraíba, as condições de tráfego são admissíveis, mesmo sem via duplicada. Pela estrada federal, as pequenas localidades vão se cruzando: Abreu e Lima, Goiana, Itambé, Jupiranga, Itabaiana, Mojeiro. Tombada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), a Pedra do Ingá (Pedra Lavrada, ou Itaticoara) é um dos sítios arqueológicos mais soberbos do mundo. O arqueólogo Vanderley de Britto, da Sociedade Paraibana de Arqueologia, já aguarda, no local, minha chegada.

Segundo ele, as inscrições são originárias de sociedades pré-históricas, nativos anteriores aos encontrados no Brasil pelos europeus. "Certamente, essas gravuras" , diz, apontando o imenso painel de rocha, "são obra de sacerdotes ou pajés. Visavam ritos mágico-religiosos que visavam sortilégios para tribo", Brito explica, com sua proficiência.

Próximo à pedra, sem ter de tocá-la, o arqueólogo continua sua explanação: "As representações registram o canto mágico solfejado pelos sacerdotes nas cerimônias", prega. A pedra, na opinião do arqueólogo, seria, para os nativos, um "meio de comunicação" com os deuses (ou deusas) da natureza. A estimativa da ciência é a de que as gravações já estejam ali por volta de três a seis mil anos. "Datação exata não é possível, porque o monólito está em meio ao riacho", esclarece o professor. Vestígios, por ventura, deixados pelos gravadores, ao cinzelar a pedra, foram arrastados no trespassar das águas do ancião Araçoajipe.

Dinossauros, o arqueólogo também confirma, habitaram a região. A probabilidade - nada prosaica - de me banhar no regato que, num dia qualquer da pré-história um tiranossauro rex sorvera metros cúbicos de água, passa agora de jornalismo a uma aventura que, com prazer, obrigo-me pôr em prática.

A água é morna. A sensação, arrepiante. "Animais de grande porte, como a preguiça e o tatu-gigante, no período mezosóico, habitaram a região: mastodontes, cavalos nativos e outros mega-animais também circulavam por aqui", ele lembra. Submerso na tepidez do plácido regato pré-histórico, um túnel do tempo dentro de minha cabeça fazia a imaginação vagar por mundos arcaicos desaparecidos na vastidão temporal.

De frente para o mar, lula Côrtes gosta de acreditar na epopéia interplanetária narrada em "Trilha de Sumé", a abertura de Paêbirú. "As gravações na Pedra do Ingá foram feitas com raio laser mesmo", afiança o artista, que cantarola a introdução da música, o alinhamento dos planetas: "Mercúrio/Vênus/Terra/Marte/Júpiter/Saturno/Urano/Netuno e Plutão". Os versos seguintes cantam a saga de Sumé, "viajante lunar que desceu num raio laser e, com a barba vermelha, desenhou no peito a Pedra do Ingá".

A cada descoberta que faziam com suas explorações, Côrtes e Ramalho notavam, na variedade de lendas, que todas eram sobre Sumé - entidade mitológica que teria transmitido conhecimentos aos índios antes da chegada dos colonizadores. "Todos os indícios levavam a Sumé. Até as palmeiras da região, por lá, são chamadas de 'sumalenses'", observa Lula.

Para "libertar" os indígenas da crença pagã, os jesuítas pontificaram Sumé como "santidade": virou São Tomé. O que explica, no Nordeste, o fato de muitos lugarejos terem sido batizados de São Tomé. "Aqui é o lugar de São Tomé!", os padres costumavam anunciar, ao chegar numa região nova.

Na Paraíba, resta uma cidade chamada Sumé. "Seja lá quem tenha sido Sumé, o que mais se sabe, no entanto, é que muito andou por essas bandas", brinca Raul Córdula. A despeito da evangelização católica, a memória do Sumé indígena segue viva em todo o Nordeste.

A crença indígena diz que, quando o pacifista Sumé se foi embora, expulso pelos guerreiros tupinambás daquelas terras, deixou uma série de rastros talhados em pedras no meio do caminho. Os índios acreditam que Sumé teria ido de norte a sul, mata adentro, descerrando a milenar trilha "Peabirú" - em tupi-guarani, "O Caminho da Montanha do Sol".

O historiador Eduardo Bueno, que passou anos de sua vida "veraneando" na praia de Naufragados, no sul da ilha de Santa Catarina, conta que tomou conhecimento da trilha lendo a aventura de Aleixo Garcia, o qual, após um tempo vivendo naquela praia, fora informado da existência de uma "estrada indígena" que conduzia até o Peru.

Após muitos verões chuvosos contemplando o lugar de onde o bravo Garcia havia partido em sua jornada épica, Bueno decidiu acompanhá-lo - mas na mente: "Mergulhei em todas as fontes que traziam relatos de sua viagem. Ficção não era. Tais fontes, embora, eventualmente, contraditórias entre si, eram da melhor qualidade". O resumo mais interessante da história, diz, é o que define Peabirú como "um ramal da majestosa Trilha Inca, que ligava Cuzco a Quito e, por sua vez, outra corruptela - de 'Apé Biru'". Em tupi-guarani, Apé significa "caminho", ou "trilha", e Biru é o nome original do Peru. Portanto, Peabirú significaria "Caminho para o Peru".

Havia três inícios principais desse caminho: um, partindo de Cananéia (litoral sul de São Paulo) e, outro, da foz do rio Itapucu, nas proximidades da ilha de São Francisco do Sul (litoral norte de Santa Catarina). Um terceiro saia da Praça da Sé, em São Paulo, seguia pela rua Direita, dava na Praça da República, subia a Consolação, descia a Rebouças, cruzava o Rio Pinheiros e... chegava no Peru. "Fico pensando porque nos roubaram o prazer de desfrutar essa história no colégio", brinca Bueno. "Pensando bem, não foi esse o único prazer que nos roubaram, foi?"

Muitas vezes procurado, Zé Ramalho declarou que "não quer mais falar sobre o assunto Paêbirú" - para ele, encerrado. Em algumas entrevistas, no entanto, coteja Paêbirú à Tropicália. Um dos comentários é sobre o jeito artesanal, "como se costurado à mão", que o álbum foi feito.

Agendo uma "audição comentada" de Paêbirú no ateliêr de Lula Côrtes. Enquanto, pacientemente, pinta o quadro de um farol, vai me explicando como tornaram possível (e viável) a engenhosa gravação do disco. O álbum - duplo - é dividido em quatro lados, de acordo com os elementos Terra, Ar, Fogo e Água.

Em "Terra", o resultado "telúrico" foi conseguido com tambores, flautas em sol e dó, congas e sax alto. "Simulamos, com onomatopéias, 'aves do céu', 'pássaros em vôo' e adicionamos o berimbau, além do tricórdio", ele conta. Contrariando a prática dos "encartes vazios", a gama de instrumentos utilizados está descrita na ficha técnica de Paêbirú.

Efeitos de estúdio, nem pensar: "Só havia as pessoas, vozes e instrumentos", comenta o artista. Certos efeitos, como o rasgar da folha de um coqueiro, por exemplo, muitos pensaram serem eletrônicos.

No lado "Ar", além de "conversas", "risadas" e "suspiros", selecionaram-se harpas e violas sopros para músicas como "Harpa dos Hares", "Não Existe Molhado Igual ao Pranto" e "Omm". Em "Água", as músicas têm fundo sonoro de água corrente. No mesmo lado, cantos africanos, louvações à Iemanjá e a outras entidades representativas do elemento. Na mais dançante, o baião lisérgico "Pedra Templo Animal", Lula Côrtes toca "trompas marinhas". Zé Ramalho pilota o okulelê.

"Fogo", como adverte o nome, é a faceta incendiária de Paêbirú. A mais roqueira também. Entram sons trovejantes: o wha-wha distorcido do tricórdio e a psicopatia do órgão Farfisa em "Nas Paredes da Pedra Encantada". "Raga dos Raios" conserva-se, mais de 30 anos depois, como a melhor peça de guitarra fuzz gravada no rock nacional: "Guitarreira elétrica & nervosa de Dom Tronxo", diz a ficha técnica. Onde andará Dom Tronxo?

O encarte sofisticado de Paêbirú é obra de Kátia Mesel. Além de designer, ela fez a produção executiva do álbum. "São mais de 20 pessoas tocando no disco - basicamente, toda a cena pernambucana e boa parte da paraibana", a cineasta enumera.

O disco só deu certo, na opinião de Kátia, porque foi feito com a alma e a criatividade soltas. "Num estúdio de dois canais, baby? Era o playback do playback do playback! A gente se consolava: 'Se os Stones gravaram na Jamaica em dois canais, por que a gente não?' Em 'Trilha de Sumé', Alceu Valença toca pente com papel celofane. [O disco] tem desses requintes", graceja.

Foi o zelo de Kátia, na realidade, que garantiu o salvamento de 300 cópias de Paêbirú da enchente de 1975. Ela guardara parte da tiragem na Casa de Beberibe, onde o casal morava - o ambiente em que muitas canções foram, gradualmente, tomando forma. "A sorte é que eu tinha deixado os discos no andar de cima. São esses que, atualmente, valem uma fortuna mundo afora", pontua Kátia.

Naquele tempo, Ramalho praticamente morava com o casal na Casa de Beberibe. A concepção gráfica do álbum foi obtida após muitas idas do trio à Pedra do Ingá. Na verdade, um quarteto, já que o irmão de Kátia, o fotógrafo Fred Mesel, seguia junto em algumas viagens. "Eu filmava em Super 8 e Fred tirava fotos da pedra com filme infravermelho", ela conta. A técnica fotográfica explica a tonalidade azul-cítrica da capa e da parte interior de Paêbirú.

Especial atenção foi dada à ficha técnica. No encarte central, fotos de todas as pessoas que participaram das gravações. Um detalhe é que todos os títulos foram montados à mão, um a um, em letra set. A diferença é que, a essa altura, Kátia era mais experiente: além de Satwa, também produzira a arte do único álbum de Marconi Notaro, No Sub Reino dos Metazoá-rios (1973). "Para lançar Paêbirú, criamos o selo Solar", acrescenta.

As substâncias psicodélicas, obviamente, foram muito importantes durante o processo de composição. Para Lula Côrtes, no entanto, só de estar perto da Pedra do Ingá, é possível sentir o xamanismo emanando do monumento rochoso: "Comíamos cogumelos mais como 'licença poé-tica mental'", justifica o artista.

Crosby, Stills and Nash, T-Rex, Captain Beefheart, Grand Funk Railroad e The Byrds eram as bandas mais ouvidas pelo grupo na época. Em meados da década de 1970, a maquiagem do glitter rock já estava borrada e, nos Estados Unidos, a semente punk aflorava nos buracos sujos de Nova York. A disco music ensaiava os primeiros passos de dança. Psicodelia, no mundo, era coisa ultrapassada: encapsulara-se nos remotos anos 60.

Zé da Flauta tinha 18 anos quando conheceu Lula e Kátia. No auge da repressão, a Casa de Beberibe era o templo da liberdade e da contracultura. "Aprendi muito sobre arte. Lá se conversava sobre tudo, inclusive se fumava muita maconha", confirma Zé. Ele tocou sax na vigorosa "Nas Paredes da Pedra Encantada". "Jamais me esquecerei, aliás: foi a primeira vez que entrei num estúdio e gravei profissionalmente como músico."

Outro que teve "participação relâmpago" foi o paraibano Hugo Leão, o Huguinho. Ele vinha das bandas The Gentlemen e os Quatro Loucos, nas quais Zé Ramalho tocava guitarra. Ramalho o chamou para participar como tecladista do "ousado projeto". Sua atuação ficou imortalizada no disco. São dele os riffs de órgão Farfisa em "Nas Paredes..."

Para assumir a bateria, Ramalho recrutou Carmelo Guedes, outro parceiro seu nos Gentlemen. A mágica, lembra Huguinho, começou logo que entraram no estúdio. As bases foram criadas na hora, como num susto: "Cravei um tom maior: Mi! O sonho começara. Os segredos da Pedra do Ingá, finalmente, pareciam que seriam desvendados. A guinada sonora ainda ecoa pelo espaço", acredita.

Em minha jornada, sigo para a capital paraibana. Em João Pessoa, Telma Ramalho, a prima mais jovem de Zé Ramalho, diz não esquecer uma passagem da pré-adolescência: a mãe, Teresinha de Jesus Ramalho Pordeus, professora de História, conversava com o sobrinho em seu escritório: "Zé contava a ela como se desenrolavam as gravações de Paêbirú".Uma lembrança viva é ter ouvido o disco aos 12 anos: "Não entendi nada. Só lembro de 'Pedra Templo Animal' e 'Trilha de Sumé', as mais pop", diverte-se.

Outra memória é ter apresentado uma réplica da Pedra do Ingá na feira de ciências do colégio. A trilha sonora foi Paêbirú. "Levei a vitrolinha e botei para rodar." Telma faz a contundente revelação: "Tive caixas de Paêbirú em casa. Uma verdadeira fortuna cultural e financeira".

Para Cristhian Ramalho, filho de Zé Ramalho e afilhado de Lula Côrtes, Paêbirú também tem significação especial: "Meu pai me levava à Pedra do Ingá quando criança. Ele ia para achar inspiração". Sem dúvida, diz Cristhian, Paêbirú e a Pedra ainda exercem influência sobre a sua obra. "Em 1975, ele escreveu uma poesia muito bonita, que diz: 'Venho de uma dessas pedras rolantes'. Houve, por parte dele, grande misticismo envolvido na minha chegada", conta, orgulhoso, o filho.

Uma das pessoas que, na época do lançamento, compraram o álbum foi a arquiteta Terêsa Pimentel. Aos 14 anos, em 1974, ela não sabia ao certo o que procurava na sua vida. Apesar disso, sabia "o que não queria". "Ouvíamos os locais: Ave Sangria, Marconi Notaro, Flaviola & O Bando do Sol, Aristides Guimarães, o 'udigrudi' nordestino. Vendi minha bicicleta Caloi verde-água para comprar Paêbirú. Hoje, sou feliz por ter vendido a bicicleta e ter adolescido naquela atmosfera", conta. Terêsa é irmã do músico Lenine, ao qual Lula Côrtes presenteou com sua última cópia de Paêbirú, há alguns anos. "Para tirar uns samplers", diz Lula.

De Jaboatão dos Guararapes, eu e Lula seguimos para a casa de Alceu Valença, no centro histórico de Olinda. Lula bate à porta do casarão. Festa quando Valença cruza o amplo saguão para saudar Lula, velho parceiro em Molhado de Suor, um dos seus primeiros discos.

"A gente tocou em 'Danado para Catende', que depois virou 'Trem de Catende'", Alceu conta. "Até então Lula só compunha, mas não cantava. Fiz a cabeça do pessoal da Ariola: 'O cara é o máximo!' Na gravadora, ninguém tinha a menor idéia de quem era o cara, muito menos que fizera algo como Paêbirú."

Souberam, no entanto, quando o álbum Gosto Novo da Vida, de Lula Côrtes, foi premiado como "a melhor venda do ano da gravadora Ariola", em 1981. Em três meses, vendeu 32 mil cópias. Depois, teve sua reedição emperrada por causa de um processo movido pela Rozemblit, que alegava plágio em uma música.

"Foi o primeiro artista que vi fumar no palco, no Teatro João Alcântara", diz Alceu.

Ambos riem. Lula acende um cigarro.

"Participei de Paêbirú. Dei uns gritos lá", resume Alceu.

"Foi na reza de 'Não Existe Molhado Igual ao Pranto'", Lula emenda.

"O estúdio da Rozemblit tinha acústica maravilhosa. Era o ambiente mais natural possível: cheguei e fui me deitando num canto. A banda tocava. Sonolento, me espreguicei: 'Ommmmmmmm...'."

"Foi como num mantra. Quando Alceu começou, todo mundo veio atrás e não parou mais", conclui Lula.

É nessa tradição do "livre espírito" que Paêbirú foi realizado. No texto homônimo - uma raridade datilografada só encontrada no interior dos LPs sobreviventes da cheia e escrito depois da ingestão de cogumelos colhidos no meio do caminho -, Lula Côrtes nos dá uma última idéia da grande aventura que foi Paêbirú: "Nós caçávamos o passado, e os corações se encheram de esperança com aquela visão. O caminho que havíamos abandonado mais atrás era o das Pedra de Fogo, outro pequeno aglomerado quase sem nenhuma chance de vida. A água é muito escassa. Conversávamos sobre as pedras. E ao longo, no horizonte, o lombo prateado da Borborema desenha curvas leves, demonstrativas de sua imensa idade. Os nativos tinham mapas nos rostos, o sol lhes rachou os lábios como racha a terra, as pedras duras e afiadas que dificultavam a caminhada lhes endureceu o riso. A informação parecia estar correta. Achamos o regato e acompanhamos o sentido. A água era clara e bastante salgada. A irrealidade se apossava cada vez mais dos nossos corpos e mentes, e toda a lenda que nos havia enchido os ouvidos, até aquele dia, parecia florar de tudo."

Fonte: Revista Rolling Stone, edição 24.